domingo, 27 de janeiro de 2013

Verbo dar

Dá-me os teus lábios, para eu beijar.
Os teus seios, para eu chupar.
O teu corpo, para nele navegar.
O teu sexo, para eu te amar.

Mas não me dês a tua alma.
Nem sequer o teu coração.
Leva-me para a tua cama.
Acalma-me esta paixão.

E eu, nada te darei.
Só beijos e o meu suor.
Porque de mim já não sei.
De mim já não sou Senhor.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

E eu sei lá?!

Apoquenta-me há algum tempo, uma dúvida que penso enquadrar-se simultâneamente, num contexto existencial e profissional.
É uma dúvida para a qual não encontro uma explicação ou uma justificação que me pareçam minimamente razoáveis.
Sou, desde a idade dos 17 anos, empregado do Estado. Vulgo, Funcionário Público.
Quando iniciei as funções no Estado, existia a preocupação ética e moral   de aproveitar com seriedade e sentido da "coisa pública" os dinheiros do Orçamento do Estado.
Neste propósito, todo o dinheiro que era gasto pelos diferentes serviços públicos, destinava-se ou tinha como objectivo, acrescentar maisvalias directas ou indirectas para a sociedade. Existia nessa época, a noção precisa de que, o dinheiro utilizado pelos serviços do Estado, não aparecia debaixo das pedras, mas sim, nascia dos impostos pagos por todos, deduzido ao esforço do seu trabalho.
Hoje, por mais voltas que dê à imaginação e ao raciocínio, acho-me cada vez mais, parte de uma máquina diabolicamente gastadora desses mesmos recursos que, actualmente são mais escassos, dia para dia.
Na tentativa de encontrar um fio condutor que me pudesse ajudar a compreender minimamente, ou em último caso, aceitar a situação que dá origem às dúvidas que referi, decidi contactar uma profissional do sexo.
Procurei anúncios e liguei.
No primeiro contacto fui atendido por uma jovem com sotaque brasileiro; voz amável e atenciosa.
Perguntei-lhe se era profissional do sexo.
Respondeu-me que sim, que fazia tudo sem tabus.
Esta resposta transmitiu-me alguma confiança e fez-me sentir até um início de cumplicidade.
Em seguida perguntei-lhe há quanto tempo desempenhava a profissão.
Depois de uma breve pausa, respondeu-me também com uma pergunta: Que me interessava saber há quanto tempo?!
Respondi-lhe: Bom, se você é uma profissional, tem uma carreira, um percurso que corresponderá a um determinado período de tempo, durante esse tempo, adquiriu certamente experiência, "know how", "Skills".
Nesta altura, não querendo mostrar-me antipático e tendo notado uma certa relutância da parte da minha interlocutora, na resposta, acrescentei: esteja à vontade, não se sinta inibida; olhe, vou confessar-lhe, desde o início da nossa conversa que comecei a sentir alguma empatia consigo. Sabe, no decorrer da minha carreira profissional, notei diferenças em várias ocasiões. Notei que com o passar do tempo ganhei mais confiança em mim próprio e até, que essa confiança e a certeza de não errar que ela me conferia, levaram-me a ultrapassar alguns limites que a própria profissão impõe, abrindo espaço para algum arrojo e criação de novos métodos, os quais eram muito apreciados pelos meus superiores. Acho que até certo ponto, ajudei a criar novas perspectivas e novos métodos que vieram a revelar-se úteis para o meu trabalho e para o trabalho dos meus colegas.
Como durante o tempo em que desenvolvi este discurso, a minha interlocutora se manteve silenciosa, perguntei: está lá?
Após mais alguns momentos de silêncio, ouvi de novo a sua voz: - Olha cara, me fala uma coisa: você também é puta como eu?!

sábado, 12 de janeiro de 2013

Pequenos gigantes

Como é que sendo nós seres tão frágeis e dependentes, susceptíveis a sofrer os maiores males e as maiores dores a cada momento; incapazes de os prever, antecipar e alterar, sucumbir sob o seu efeito; num momento, crescemos, agigantamo-nos e concebemos obras grandiosas, praticamos feitos impensáveis, que julgávamos impossíveis de realizar conquistamos espaços inatingíveis e ultrapassamos metas inalcançáveis?!
Será que ultimamente, o Espírito Santo se tem "esquecido" um pouco de nós?
Ou, por ventura, somos hoje menos merecedores de receber a graça de um simples e leve roçagar da asa da pomba branca sobre as nossas cabeças?!

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Homens-de-Olhar-o-Mundo

Certos Homens olham o mundo como se dele fossem únicos senhores.
Outros, olham-no com reverência, emocionando-se com a sua dimensão e a forma perfeita como o acham construído.
Alguns, olham-no com profundidade, tentando entender no mais ínfimo pormenor o significado para a sua própria existência.
Muitos, olham-no pensando na forma de o tornar mais perfeito ainda, mais equilibrado e abrangente.
Porém, todos habitam nele!

Isto e Aquilo

Não é aquilo que eu penso mas, o que ela sabe.
Não é aquilo que eu digo mas, o que ela imagina.
Não é aquilo que eu quero mas, o que ela faz.
Não são os meus desejos mas, os seus sonhos.
Eu sou um sol emergente, ela, uma lua transparente e fugidia.
Esta noite, envolto em véus do sonho fui, como um astro perdido no firmamento. Visitei lugares que nunca vira, onde nunca estive antes.
Por fim, sem desejos nem tormentos, abandonei-me numa praia de veludos e esperei que a lua se escondesse no final dos céus. Acordei quando um tímido sol se levantou de Oriente, e pintou meu corpo nú, de oiro.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Do frio à calentura...

Há na vida quem escreva, como vento que varre a serrania; e sinta, como onda que se espraia no areal.
Há-os que escrevem, tentando exorcizar os tormentos que lhes apertam a alma e lhes provocam  tontura, causada pelo espartilho, que é a condição de mortal que os sujeita.
Outros, buscam na escrita, a chave que abrirá a porta da imensidão, do caminho para o nada, do bálsamo para a existência.

De Rosália de Castro:

Son los corazones de algunas criaturas
Como los caminos muy transitados,
Donde las pisadas de los que ahora chegan
Borran las pisadas de los que pasaron:

No será posible que dejeis en ellos,
De vostro carino, recuerdo ni rastro.

;)

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Momentos encantatórios

Acontecem momentos nas vidas de todos nós que nos causam sensações estranhas , momentos quase mágicos de tão exuberantemente belos que se nos apresentam.
Um raio de sol que atravessa a ramagem do arvoredo, quando percorremos calmamente um trilho de um bosque. O chilrear alegre da passarada que saltita irrequieta de ramo em ramo, transportando para o ninho o alimento necessário às crias. O murmurar constante das águas de um ribeiro que ora se espreguiçam cristalinas sobre os seixos do leito, ora se precipitam estrepitosamente entre rochedos. O riso de uma criança que brinca alegremente com uma bola, ou, curiosa, tenta tocar as asas coloridas de uma borboleta poisada sobre uma flor. A palavra; a palavra  franca e fraterna que nos é dirigida e nos faz reconhecer a amizade em quem nos a dirige.
E pensamos; perguntamos inúmeras vezes de nós para nós: de onde vêm os motivos que assim tornam esses momentos, onde se criam, e que caminhos percorrem até que toquem em nós, porque não se desviaram, porque não foram noutros sentidos e atingiram outros alvos?
Penso e reflicto: tudo nos vem da capacidade de amar, de ver o mundo no seu todo, e de quando conseguimos fazê-lo, à transparência de nós próprios.

domingo, 6 de janeiro de 2013

Das pedras...

Gosto imenso de pedras.
Lembro-me  de em criança, sempre que ia a uma praia onde na maré baixa ficavam a descoberto pedras de diferentes cores e formatos, ser invadido por um fascínio imenso, que me levava a desejar apanhar e levar para casa todos aqueles "pedaços de mundo".
Cheguei a levar alguns, muito a contragosto dos meus pais, que não queriam a casa cheia de pedras, vencia a minha insistência, ajudada pela verdadeira beleza com que as várias cores e formatos das pedras, nos regalavam o olhar.
Sempre que algum familiar nos visitava, ou a algum colega da escola  era permitido que entrasse, corria imediatamente a mostrar, orgulhoso, as minhas belas pedras.
Mais tarde, quando li pela primeira vez o "poema do Menino Jesus" de Alberto Caeiro, ao chegar à quadra:
«Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas
No degrau da porta de casa,
Graves como convém a um Deus e a um poeta,
E como se cada pedra
Fosse todo o universo
E fosse por isso um grande perigo para ela
Deixá-la cair no chão.»
compreendi o que realmente me fascinava nas "minhas" pedras e porque lhes dedicava tantos cuidados, evitando que caíssem no chão.
Desde esse dia, compreendi que cada pedra, tal como cada ser Humano, comporta em si, todo o Universo, por isso, merecem que as admiremos, que as conservemos e lhes dediquemos todo o nosso carinho.

sábado, 5 de janeiro de 2013

D. Pureza; a padeira.

Se me lembro bem da Dona Pureza?!
Vinha de Seia a pé. Transportava à cabeça um cesto enorme de verga repleto de pão-trigo fresco, cozido de madrugada, muito bem coberto por um pano alvo.
A Dona Pureza era uma mulher possante. Para além do enorme cesto à cabeça, transportava ainda em cada braço, um cesto de asa. Um deles era destinado à broa de milho, o outro, o da minha preferência e dos outros miúdos, de onde não afastávamos o olhar desde que D. Pureza surgia na estrada ao fundo da aldeia, transportava os bolos. Uns bolos simples, cobertos de açúcar, outros de coco, outros ainda sem cobertura, mas com frutos cristalizados a recheá-los.
A Dona Pureza passava na aldeia duas vezes por semana, já não me recordo em que dias o fazia, mas recordo-me perfeitamente do sabor daquele pão alvo, acabado de cozer e do sabor da "ferradura" que  para meu deleite, a minha avó sempre lhe comprava.
Numa altura em que me achava a passar um período de férias na aldeia, ouvi contar um curioso acontecimento,  envolvendo a Dona Pureza.
Contavam que dias antes, no final da volta,  quando se dirigia a casa, transportando já os cestos vazios, D. Pureza foi abordada por dois meliantes que, apontando-lhe uma navalha enorme, tencionaram roubar-lhe a bolsa de pano  com o produto da venda e o fio de ouro que sempre usava ao pescoço.
A padeira não se amedrontou, àquele que lhe apontava a navalha, desfechou-lhe tamanho pontapé no baixo ventre que o desgraçado ficou sem conseguir falar. Ao outro, que ficara petrificado perante a surpresa da reacção e o efeito da mesma, após poisar os cestos no chão, foi-se a ele e deu-lhe um abraço com tamanha força que lhe quebrou várias costelas.
A partir dali, não voltei a ter notícia de que alguém tivesse tentado  assaltar novamente, a Dona Pureza.
Ficou provado que as mesmas mãos que amassam farinha e cozem o saboroso pão, também conseguiam fazer justiça... uma justiça exemplar!

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

O Construtor de Estórias

Gostava de ser um construtor de estórias.
Na aldeia da Beira Alta, no sopé-norte da Serra da Estrela, onde em criança passava temporadas de férias, conheci muitos contadores de estórias. Os anos de vida que levavam e os acontecimentos que as preenchiam, forneciam-lhes matéria-prima inesgotável para, "cereja-a-cereja", durante as quentes tardes de Verão, até que a fresca brisa do fim de dia lhes permitisse voltar aos campos para os últimos trabalhos, fossem desfiando um rosário de estórias de vida. Vidas duras, sofridas. Vidas pobres de haveres mas ricas de saberes e de quereres.
Lembro-me especialmente de um habitante  da aldeia; o Zé Dias.
Homem solteiro, alegre, maroto e dançarino.
Era o dono de uma das tabernas da aldeia e dono da única bicicleta do povoado.
O Zé Dias, era uma "figura". Fazia somente o que lhe apetecia. Não trabalhava no campo e só abria o estabelecimento ao fim do dia, na hora em que os homens regressavam do campo e entravam para beber vinho e conversar. Ao final da tarde, antes da hora de abertura da tasca, lá aparecia o Zé Dias, de mãos nos bolsos, sorriso sempre aberto, olhos azuis muito vivos, apesar da idade já avançadota. Logo que se acercava dos que já estavam, era instigado a contar uma das suas estórias. E o Zé Dias tinha-as fantásticas. Desde os bailaricos a que ia sem falhar, nas aldeias em redor e noutras mais afastadas, até aos encontros com lobos, durante a noite, pelos caminhos de regresso, aos quais se "safava" sempre "por uma unha negra" e sempre, usando um expediente que, segundo a voz popular, não lembraria, nem ao diabo.
O Zé Dias, era um verdadeiro "construtor de estórias".
Lembro-me de o ter ouvido contar que certa noite, quando regressava de um bailarico numa aldeia a mais de duas dezenas de quilómetros de distância, quando atravessava uma mata, ter visto aparecer-lhe à frente uma mulher toda vestida de branco. Perdeu-se o construtor de estórias em pormenores físicos daquele ser feminino que ali se materializara: que era alta, jovem, bonita, cabelos longos até à cinta, seios volumosos, ancas largas, olhos brilhantes, etc, etc.
Quem o escutava, não ousava proferir uma palavra, reduzindo-se ao espanto, sem despregar os olhos daquela figura irrequieta e quase hipnótica, seguindo com a máxima atenção o desenrolar do relato.
Terminada a descrição do ser que por magia lhe apareceu, o Zé Dias achou por bem suspender a estória que afirmara ser verdadeira.
Era manha do artista.
Usava-a para obter dos ouvintes, rogos intensos para que continuasse, para que contasse o que se passou a seguir.
Então o Zé Dias, depois de se deleitar com os pedidos recebidos, fingindo alguma contrariedade e resignação, volta a pegar no "fio à meada" e sabendo que "tem na mão" os ouvintes, dá asas à imaginação e, com uma mestria inexcedível, entrega-se de corpo e alma à construção de um edifício de uma grandeza e uma arquitectura deslumbrantes.
Conta que a mulher não fala, que só se sorri para ele, mas que ele, sem saber porque artes, consegue ouvir dentro da cabeça, as palavras que a mulher não diz.
Todos exclamam Ahhhhh!!!
Que é verdade, que tal nunca lhe tinha sucedido, nem ouvira contar a ninguém!
Depois, que a mulher o foi acompanhando, pelo carreiro fora, entre os pinheiros, mas que a dada altura, notou que ela não caminhava, que nem sequer tocava os pés no chão.
De novo os ouvintes se espantaram. E de novo o Zé Dias afirmou que era a pura das verdades.
Em seguida, ao chegarem junto a um ribeiro que teria de atravessar, a mulher chegou-se mais junto ao Zé Dias e colocando-lhe o braço em volta do pescoço, abraçou-o e beijou-o.
Os homens que ouviam a estória com a máxima atenção, lamberam os beiços sem notar que o faziam, as mulheres mexeram-se e olharam umas para as outras desconfiadas.
O Zé Dias, fingindo não dar pelas reacções dos circunspectos ouvintes, continua: que durante aquele longo beijo, começou a sentir que estava a ficar sem peso, que os pés se estavam a levantar da terra, que se começou a sentir meio zonzo; nessa altura, um dos ouvintes mais atrevidote, ou mais nervoso, atirou-lhe entre-dentes: isso não seria do vinho ó Zé Dias? Os outros reagiram instantâneamente: XIUUUU!!!
O Zé Dias, fingindo não ouvir o palrador continuou, diminuindo o ritmo do discurso e olhando para o vazio, como se estivesse a ver uma imagem que mais ninguém conseguia ver; que nessa altura, sentiu-se ir pelos ares e quando se achava por cima das águas do ribeiro, a mulher, abraçando-o e beijando-o ainda com mais força, entrou com ele pelas águas dentro.
Ui credo, exorcizaram as mulheres, benzendo-se ao mesmo tempo. Os homens, nem uma palavra, ficaram mudos, olhos no chão, imaginando-se talvez eles mesmo a viver aquela situação.
Uns momentos após saborear em pleno, a reacção que provocara naquelas mentes simples e imensamente supersticiosas, o Zé Dias, volta a enfiar as mãos nos bolsos e declara: bem, agora vou abrir a venda que já se faz tarde.
Nessa altura, o tagarela que já havia antes intervido na estória, como que acordando do sono induzido, dá um passo em direcção ao Zé Dias e coçando a cabeça, pergunta-lhe: Olha lá ó Zé; então e não morreste afogado?
O outro, voltando a cabeça, atira-lhe a rir: morri... morri. Deves pensar que sou parvo; quando vi que íamos cair na água, enchi bem o peito de ar e esperei que ela se afogasse. E assim, lá continuou o Zé Dias, rumo à sua taberna, deixando os seus fieis ouvintes a olhar uns para os outros, meio atordoados.