segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Vou lá fora ver o tempo...

Neste tempo, em que olhamos o tempo
Sem tempo para dar ao tempo
Pensamos, que bom seria se o tempo,
nos desse tempo, que não se gastasse com o tempo.

Mas o tempo foge-nos no tempo
E deixa-nos sempre sem tempo
Pois um dia, chegará o tempo
Em que nos sobrará o tempo

E, quando não nos faltar o tempo
E olharmos para trás no tempo
Vamos querer ganhar tempo
Vamos tentar enganar o tempo

Um dia que encontre o tempo
para deixar este tempo
Vou lembrar-me d'aquele tempo
Em que brincava com o tempo

O Sabor da Terra...

Sabe-me a fogo e a brumas
Ao amargo profundo de ruturas
Que se elevam p'las fendas
Que se espalham nas planuras

Sabe-me a desejo de grandura
A sede, a fome, e a ternura
Quando dela se nota a brandura
Quando ela é toda, completa formusura

Sabe-me a terra a suor
Ou a vento e descampado
Mas sabe-me muito melhor
Se a saboreio ao teu lado

Sabe-me a terra a magia
Quando a seguir à chuvada
Quando o verde se anima
Quando a noto fecundada

Sabe-me a terra a orgulho
com laivos de admiração
Quando nela as mãos mergulho
Quando dela extraio o pão

sábado, 24 de outubro de 2009

Vou...

Vou, percorrendo infinitos
Voando nas asas de um sonho.
Soletrando antigos desejos.
Em cada amanhecer, risonho

Vou, cavalgando ilusões
Buscando amanhãs vindos de ontem
Apagando as torpes negações
Ateando ainda, as chamas que me lambem

Vou, de olhar fixo na lonjura
Perdendo a noção do que é real
Espraiando-me por inteiro na planura
Da magia de uma aurora boreal.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Azulejos pequeninos

Naquele dia, passei o almoço alheio ao que se passava à mesa, buscando incessantemente o olhar de Izilda, sempre que ela entrava na sala de jantar, transportando bandejas de servir.
Imperturbável, Izilda prestava unicamente atenção aos sinais que a Senhora lhe fazia e mesmo quando me servia, olhava unicamente para os alimentos e nunca para mim.
Foi com imensa dificuldade que acabei a refeição e, acabrunhado recolhi ao meu quarto para a famigerada sesta.
Deitado sobre a cama, de mãos entrelaçadas por trás da cabeça, olhava o tecto abstraídamente, enquanto considerava a hipótese de Izilda se ter zangado, ou de se achar envergonhada, ou mais uma infinidade de outros motivos, para não ter correspondido ao meu olhar durante a duração do almoço.
Naquele dia, o tempo cornometrado da sesta passou sem se notar.
Voltei a tomar consciência dele, quando senti um leve bater na porta do quarto e em seguida apareceu a cabeça loura e a face rosada de Izilda.
- A Senhora pergunta se não vai descer à sala?
- Izilda, podes entrar... quero perguntar-te uma coisa.
- Diga menino...
- Não me trates por menino, sabes o meu nome.
Calou-se e ficou à espera da minha pergunta.
- Quero perguntar-te, porque não olhaste para mim durante o almoço?
- Então, porque estava a trabalhar e a Senhora não permite que me distraia quando estou a servir à mesa, para não cometer nenhum erro. Se o fizer, ela ralha-me.
Naquele momento senti-me envergonhado e ridículo. Era evidente, Izilda estáva certa, não podia distraír-se.
-Ah... está bem, desculpa-me.
- Desculpo o quê, menino?
-Já te pedi para não me tratares por menino. Desculpa, porque pensei que estivesses zangada comigo.
-Zangada porquê, men... Bartolomeu?
Sorri porque finalmente chamou o meu nome.
- Por causa do beijinho...
Sorriu tambem e chegando-se mais a mim, saracoteando ligeiramente as ancas, perguntou: - Gostaste?
Não me deu tempo para responder, colocando uma mão de cada lado do meu rosto, voltou a tocar os seus lábios nos meus, demorando um pouco mais aquele beijo que o anterior no jardim. Depois afastou o rosto sem retirar as mãos, olhou-me e sorriu, um sorriso doce e provocador que não entendi perfeitamente, em seguida aproximou de novo a boca da minha e voltou a beijar, desta vez, mexendo os lábios e tocando com a sua lingua nos meus. Instintivamente abri a boca e recebi a lingua dela dentro da minha. Invadiu-me naquele momento uma sensação indefinível de desejo e de nervoso, uma sensação que me fazia desejar algo que não conseguia identificar, algo que não sabia onde estava, nem o que era.
Izilda prolongou aquele beijo e senti a sua respiração ofegante e quente, senti o seu corpo espalmar-se contra o meu e senti aturdidamente a rijeza dos seus seios contra o meu peito, senti uma vontade imensa de os segurar, de os sentir nas minhas mãos, acho que até desejei beija-los.
Quando levantei as mãos tentando alcançar os seios de Izilda, senti-a desprender-se repentinamente de mim e soltar um risinho nervoso e brincalhão de menina ladina que acaba de cometer uma traquinice. E, em biquinhos de pés, dirigiu-se saltitante até à porta, depois, apontou-me o indicador e avisou-me: - Despacha-te, a Senhora está à tua espera, para irem saír.
...

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Azulejos pequeninos

As manhãs, no casarão do Minho, passavam menos opressivas que as tardes, porém, ainda monótonas.
Inavariávelmente, após o pequeno almoço e a determinação das tarefas diárias, a Senhora esgueirava-se por um corredor que, descobri depois, conduzia a uma pequena capela adjacente à casa.
Ali permanecia em meditação e oração durante quase toda a manhã.
Durante esse tempo, saía para o jardim da casa e dava a liberdade possível à irrequietude dos meus 10 anos, explorando os recantos bucólicos do jardim e observando as aves exóticas que habitávam uma gaiola com tamanho de casa de arrumos, toda em pedra granìtica, telhado e uma frontaria em rede metálica, que permitia observar os movimentos dos faisões reais, das araras, e de mais uma quantidade de outras. Por trás da casa dos pássaros, corria um regato, que terminava num pequeno lago, onde me entretinha a colocar paus que imaginava barcos, a descer a corrente, promovendo corridas e passando assim o tempo de férias que decorria enfadonho.
Na manhã seguinte ao incidente da jarra partida, quando me achava sentado sob um carramachão em frente da casa dos pássaros, entretido a observar as aves exóticas, apreceu, vinda do fundo do jardim, Izilda.
Vinha com um ar envergonhado e andar indeciso, fingindo que prestava atenção aos canteiros de flores que ladeavam o caminho em calçada de granito.
Quando chegou a dois passos de mim, parou e, com os olhos colados ao chão e algum rubor nas faces, disse-me: - Obrigada por me ter salvo ontem.
- Fiquei parado a olhar para ela, sentindo-me um Don Quixote que terá salvo das mãos do gigante a sua doce Dolcineia.
- Não precisas agradecer nada, respondi-lhe, eu tambem não gosto da velha, nem da casa, nem da cozinheira, nem do Senhor... so gosto dos pássaros.
E rimo-nos os dois do final da minha resposta.
Izilda aproximou-se um pouco mais e perguntou-me: E de mim, não gostas?
Hesitei por momentos, sentindo o arrepio que a pergunta causou em mim e meio à toa respondi: - Gosto, claro que gosto, e até gosto mais de ti, que dos pássaros.
Voltámos a rir-nos da resposta.
Quando parámos de rir, Izilda sentou-se no banco ao meu lado e perguntou-me:
- Já alguma vez beijaste uma rapariga?
Novo arrepio percorreu-me o corpo e nova resposta hesitante surgiu: - ...já!
- Na boca?
- Na boca, não!
Sem mais perguntas, Izilda aproximou o seu rosto do meu e encostou aos meus os seus lábios, colocando neles um terno beijo.
Em seguida, levantou-se rápidamente e voltou-se para o caminho por onde tinha surgido.
Chamei-a.
Sem parar, avisou: - Tenho de ir já, senão a Jenoveva vem à minha procura.
-Espera, quero falar contigo.
- Depois!
Sentei-me de novo do banco, fiquei longos momentos a tentar perceber o que tinha acontecido durante aqueles breves instantes em que Izilda esteve junto de mim.
Depois, notei com surpreza que as aves tinham interrompido o seu natural e constante cacarejar. Depois, em sobressalto pensei se teria ficado surdo durante aquele tempo!?
...

domingo, 18 de outubro de 2009

Azulejos pequeninos

Na casa de banho, gosto de azulejos pequenos nas paredes.
Fui uma criança saudável mas, todos os anos era levado ao médico, antes do final do ano lectivo. Foi um ritual que se repetiu e manteve, até fazer 11 anos. Todos os anos, o Dr. Martins, aconselhava que fizesse um período de férias no campo e outro na praia. E lá ía imperterívelmente para casa de minha avó materna, numa aldeia na falda da Serra da Estrela. Um ano, porém, a estadia alterou-se e fui "remetido" para casa de um casal amigo da família, que passava temporadas na sua casa mesmo à beirinha do rio Minho.
Uma casa enorme, monótona e constrangedora. O casal não tinha filhos. Na casa habitávam somente eles, um motorista a que chamavam chaufeur e duas criadas, uma velha, cuja função consistia exclusivamente em preparar as refeições e uma novinha que servia à mesa, limpava o pó, fazia as camas e ouvia extensos raspanetes da Senhora.
O nome dela era Izilda e ganhava-me uns 5 anitos na idade-
O Senhor, saltava da cama muito cedo e pirava-se para Espanha, regressava raramente para almoçar. Quando um dia ao pequeno almoço perguntei se podia acompanha-lo, respondeu-me a Senhora que não, o Senhor ía tratar de negócios.
Depois do almoço, aquela casa enorme adquiria um ambiente sepulcral, era a hora da sesta. Uma hora e meia de repouso forçado em que era terminantemente proíbido provocar-se o mínimo ruído.
Uma tarde, depois do famigerado período de repouso, sentado no sofá de uma das salas da casa, no meio de um silêncio morno, ouvia a Senhora ler alto Júlio Dinis, Uma Família Inglesa e tentava desesperadamente não adormecer. De súbito, ouviram-se vozes no corredor e em seguida um bater leve na porta.
-Entre!
-Dá-me licença minha Senhora?
-Entre Jenoveva, que se passa?
-Foi a Izilda que partiu a jarra de flores que estáva no quarto do menino.
Izilda, de faces afogueadas, especada 2 passos atrás da Jenoveva, de olhos cravados na carapete Persa da sala, retorcia os dedos de nervoso e parecia que a todo o momento iría irromper em choro.
-Pode ir Jenoveva, eu falo com a Izilda.
Depois da cozinheira da casa sair, a Senhora, olhando com rispidez para Izilda, preparou-se para dar início a nova sessão de ralhos.
-Agora nós. Disparou, severamente na direcção de Izilda.
Antes que a moça abrisse a boca, pedi licença e, dirigindo-me à Senhora, disse meio atabalhoadamente: - A Izilda não teve culpa!
A Senhora, olhou-me de imediato com estranheza e Izilda, com um ar aparvalhado começou a chorar.
-Pare de chorar Izilda.
E voltando-se para mim, colocou um olhar perscrutador e quase soletrando as palavras, perguntou-me: - A Izilda não teve culpa de partir a jarra? Porque dizes isso Bartolomeu?
Voltei a gaguejar e, remexendo o cu no assento titubeei: - Não teve culpa, porque não foi ela que partiu a jarra.
-Ah sim? Essa revelação é espantosa. Então quem terá sido o autor do estrago?
- Ehhhh... fui eu.
-Ah sim? E como foi que isso aconteceu?
- Ehhhh... tropecei na carpete e fui de encontro à mesa e depois a jarra caíu.
- Hmmmm, muito bem. Então partiste a jarra e depois esqueceste-te de dizer, foi isso?
- Foi! Foi isso mesmo, peço muita desculpa. Respondi vertiginosamente.
Muito bem, nesse caso pode ir Izilda, volte para o seu serviço.
Se até ali não tinha guardado uma única palavra das que a Senhora lera, a partir daquele momento, deixei de ouvir a sua voz.
...

sábado, 17 de outubro de 2009

Lá... onde o sonho se encontra.

Sobeja ainda um crepúsculo,
nessa hora em que o canto das cigarras se tolhe.
Em que o mundo, num suspiro se recolhe e,
a paz tenebrosa do escuro, busca as almas desgarradas, que recolhe.

Sobeja ainda um breve crepúsculo,
quando sentada na varanda, recolhes da memória,
pedaços empoeirados de uma já longa história.
Sonhada e não vivida, num quadro de alegria irrisória.

Sobeja ainda um já quase invisível crepúsculo,
quando exausta, colocas entre as rugas do teu rosto, um sorriso.
E de olhos fechados, embarcas nesse sonho, que te leva ao paraíso.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Poema com rima...

Solidariedade:

Solidariedade, rima com verdade:
A verdade que a transparência dos teus olhos reflecte, quando me mostra o mais profundo da tua alma.
A verdade que me faz acreditar na pureza de algo indefinível, mas que sei, brota do mais íntimo do nosso ser.

Solidariedade, rima com tranquilidade:
A tranquilidade que a tua mão me oferece quando segura a minha, e me dá a confiança necessária para enfrentar e vencer as dificuldades que ao longo da vida, vão surgindo.
A tranquilidade que a tua palavra de apoio e aconselhadora, me oferece, quando me encontro indeciso, duvidando muitas vezes se serei capaz, e tu me afirmas que sim.

Solidariedade, rima com amizade:
A amizade que nasce e se reforça, que cresce e adquire a dimensão e a força de uma montanha.
A amizade que resiste ao tempo e à acção dos elementos mais agrestes e destrutivos, mantendo-se sempre pura e luminosa.
A amizade que me ajuda a sorrir nos momentos menos felizes.
A amizade que não me deixa desanimar quando os desafios parecem grandes demais para o meu tamanho.

Solidariedade, rima com fraternidade:
A fraternidade que nos une e nos iguala.
A fraternidade que destrói diferenças e nos eleva, nos permite sair da mediocridade e nos impregna dos sonhos que nos permitem desejar construir o futuro.
A fraternidade que nos ensina a conhecer a verdadeira dimensão do ser humano e nos dá asas suficientemente fortes, capazes de nos sustentar durante o voo que devemos cumprir, e nos leva a atravessar oceanos de esperança.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Travessia

Na feira-livre do capaz
Correm pregões e pragas,
ralhos encrespados, pelo ar
“Vende-se menina e rapaz”
Para encher de gente as praças
E pôr este país, de novo a andar

Na feira-livre da insensatez
Acotovelam-se o brado, o fado,
o frio, o fogo e a paixão
Esmorece o desejo, da prenhez
de um colectivo meio atordoado
Que andrajos, arrasta pelo chão

Na feira-livre da esperança
Cerram-se dentes, sobem-se mangas
Lavra-se a terra, fazem-se filhos
Sustem-se de todos a temperança
Talham-se vestes, rasgam-se as tangas
Abrem-se de novo, futuros trilhos

Na feira-livre da verdade…
Olham-se os olhos com amor
Oferecem-se carinho e bondade
Dão-se as mãos da liberdade
Enfrenta-se o futuro, sem temor

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

E...

Ao fundo deste caminho está o mar
Já o oiço daqui, forte a ribombar
Noto-lhe o cheiro, solto pelo ar
Vejo nele, os reflexos de sol a faíscar

Ao fundo desse mar, vejo o horizonte
Atrás de mim ergue-se alto, esse monte
Onde nasce o fio cristalino d'esta fonte
De onde vim? dessa casa ali defronte

E...

Quedo-me, imóvel, apático num desespero
Aguardo em silêncio, torno-me áspero
Condenando o eu que vitupero
Enquanto do infinito te espero

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

E dançámos...


Ouvi-a chamar, saí.
Lá estava, altíssima, brilhante, envolta por véus transparentes que deixavam adivinhar-lhe os contornos do corpo.
Ao ver-me riu-se e de imediato deu início a uma dança de enfeitiçar, escondendo-se e revelando-se, fingindo que não me via observa-la.
De cá, gritei-lhe.
Desce, vem dançar comigo!
Riu-se mais ainda, rodopiou e num gesto largo, respondeu-me.
Vem, sobe até mim e vem dançar.
Fechei os olhos e senti elevar-me no espaço, leve, rápido, nu... e dançámos.

domingo, 4 de outubro de 2009

Lá, no infinito

Olho através das janelas da tua alma e descubro o caminho para o paraíso.
Inalo o aroma que se solta dos teus cabelos e invento a chegada da Primavera.
Percorres-me a pele com a suavidade dos teus dedos e sinto o arrepio da paixão.
Invento-te e inventas-me a cada instante, reconheço a grandez a da Criação no explendor de cada beijo teu.