sábado, 12 de novembro de 2011

Planos para voar...


http://www.youtube.com/watch?v=8MDPeL8lpzo




Enquanto fui criança, sonhei muitas vezes que voava.
Era um encanto poder deslizar sem esforço nenhum, sem tocar em nada, sem mexer um músculo, voltar à esquerda e à direita, subir e descer, parar, flanar e voltar a mover-me.
Quando de manhã acordava, sentia-me envolvido por uma sensação imensa de bem-estar, a qual se dissipava logo de seguida, ao perceber que a faculdade adquirida durante o sono e o sonho, tinha desaparecido com o despertar. E então, pensava; Que bom seria se esta capacidade de voar se mantivesse, se pudesse escolher um local conhecido, ou a descobrir e pudesse voar até ele. Que bom, se pudesse transportar comigo alguém, alguém que não tivesse medo de voar e que também quisesse ardentemente conhecer outras paragens, outras paisagens, outros rostos e lugares.
Quando cresci, comprei uma mota. Aquele veículo afigurava-se-me como sendo o instrumento mais apto a satisfazer o meu desejo interior de voar. Mas não... o meu desejo não conhecia limites nem fronteiras, o meu desejo não era condicionado por obstáculos intransponíveis por uma mota. Com a mota só conseguia deslocar-me por estrada e, quando pretendia atingir um determinado ponto, era obrigado a contornar muitos outros. E o meu sonho era o caminho directo.
No meu sonho transpunha montanhas, atravessava oceanos, ziguezagueava nos desertos, nas estepes, fazia gincanas por entre os arranha céus de Manhatten... no meu sonho... rasava o chão vertiginosamente e recolhia os meninos famintos nas favelas, nos guetos, nas valas lamacentas e colocava-os nas casas dos políticos ricos, dos empresários milionários, dos banqueiros.
Depois, voltava a passar nos mesmos guetos, colocava as mãos em concha à volta da boca e gritava aos pais das crianças que tinha transportado: esta terra é vossa! Cultivem-na! Explorem-na! Alimentem-se dela! Sejam vocês os seus naturais senhores!
E ficava por momentos a observa-los, primeiro atónitos, desconfiados, depois segredando uns para os outros, em seguida começavam a movimentar-se e a formar grupos, em seguida iam procurar ferramentas e começavam a desbravar o solo, a limpar e a enterrar dejectos, a abrir sulcos de drenagem, por onde escorria a ignomínia acumulada ao longo de décadas e com qual já conviviam sem ligar. Pouco depois, começava a surgir um solo novo, mais saudável, ao mesmo tempo, os rostos começavam a ganhar alguma alegria, os braços começavam a lançar as enxadas à terra com redobrada energia, as sementes começavam a germinar, a crescer... a colheita fazia-se, a fome era vencida, e a dignidade recobrada. A vida recomeçava a fezer-se.
Por fim, sorria-lhes, acenava-lhes e antes de retomar o meu voo até outras paragens... pedia-lhes que não voltassem a fechar os olhos, nem a deixar de acreditar na sua força, e que não perdessem a esperança e a confiança nos outros...


http://www.youtube.com/watch?NR=1&v=53LnC9MDU6I


;)

6 comentários:

Olinda Melo disse...

Meu amigo Bartolomeu

Este teu texto aqueceu-me o coração.Quem lê Estes 'Planos para voar...' não precisa ir à procura de mais nada,pois, está aqui tudo.Refazes, através das tuas palavras, a História deste mundo que continua a assombrar-nos, de pessoas espoliadas material e culturalmente.E, nos teus sonhos, exorta-los a tomar o destino das suas vidas nas suas próprias mãos.

A tua versatilidade sempre me surpreendeu...Depois (ou antes?) da 'fábula' que nos deixaste lá no Xaile, com o teu toque sarcástico, escreves com este sentimento de solidariedade que, penso, não deixará ninguém indiferente.

Acedi aos endereços do Youtube e vi (não pude ouvir) deliciada a cena 'Flying' do Titanic e 'Sailing' de Rod Stewart. Maravilhosas!Ilustram excelentemente o teu texto.

Grande abraço.

Olinda

Rosa dos Ventos disse...

Obrigada pelo belo texto!
Há tanto tempo que não sonho que voo...:-((
Também voava muito nos meus sonhos de criança!

Abraço

Bartolomeu disse...

Minha Amiga Olinda, desde muito cedo percebi que ser-se versatil, é a unica forma de se poder ser livre.
A natural tendência de quem partilha conosco este espaço ilimitado, é a de o limitar, classificando-nos, rotolando-nos, carimbando-nos... adjectivando-nos.
A forma que nos permite relacionar-nos com todos, de igual forma, é conseguirmos ver para além da vidraça, para além do muro, para lá da montanha, perto do horizonte. Essa liberdade que todos anseamos, é mais fáicil de alcançar se formos versáteis... o máximo possível e ao mesmo tempo, que consigamos espantar-nos e emocionar-nos, com o sorriso de uma criança.
;)

Bartolomeu disse...

E ainda voas Rosinha, minha Amiga!
Os teus posts e as fotos que carinhosamente exibem, são a prova de que os teus olhos ainda se projectam muitas vezes no infinito... nesse lugar mágico onde os sonhos têm lugar...
;))

Catarina disse...

Nunca sonhei que voava. Nunca quis voar a não ser de avião!
Estavas inspirado, Bartolomeu. E quando estás inspirado mostras-nos o teu lado mais sensível... : )

Bartolomeu disse...

A inspiração cada vés anda mais afastada, minha Amiga Catarina...