quinta-feira, 18 de agosto de 2011

O Sôre Isidro morreu...

A uma amiga morreu um alpercheiro que tinha plantado quase vinte anos. Uma doença estranha e subita, secou-o ramo após ramo até ao tronco e à raiz. Apesar dos esforços empregues, a minha amiga não conseguiu salvar o alpercheiro. A minha amiga acha que a morte do alpercheiro pode ser o prenúncio daquilo que virá a acontecer na União Europeia que, tal como o alpercheiro, possui alguns ramos que evidenciam sinais de doença grave, que os esforços de alguns parecem insuficientes para conseguir debelar.
Hoje, apareceu-me o meu vizinho Manel.
Vinha cabisbaixo, acabrunhado.
-Então Manel, que tal vai a vida?!
-Vai indo...
Eu, andava de volta de uns pinheiros que plantei em Novembro passado, a limpar-lhe as covas que já se tinham enchido de ervas.
-Tenho de limpar isto Manel, senão, um dia destes mais ervas que pinheiros-
-Sabes quem morreu?
O Manel tem o habito de tratar toda a gente por tu, diz ele que, uma vez que somos todos irmãos uns dos outros, não motivos para tratar uns por senhores e outros por doutores ou engenheiros, ou outra coisa qualquer...
Acho que ele tem toda a razão, mas não me habituo a trata-lo assim, apesar da insistência dele: -Trata-me por tu, pá!
-Não faço ideia, quem foi?
-O Isidro, sabes quem é?!
-Sei muito bem, era ele que me enxertava as árvores.
-Era o melhor a enxertar! Olha que chegaram a vir cá buscá-lo de carro, para ir enxertar para fora, chegou a ir para o Alentejo e lá para cima, para a Guarda e para Viseu... e para mais lados.
O Manel não tirava os olhos do chão enquanto ia falando e recordando o amigo Isidro. Notei a tristeza que lhe enchia o coração.
- O Isidro já devia ter idade, não?!
-Somos da mesma idade, fomos às sortes no mesmo dia. Foi a primeira vez que estive em Lisboa.
Nesta altura, os olhos do Manel ganharam algum ânimo. Depois, levantando a cabeça e olhando para longe, lembrou um episódio, quando tinham ambos 16 anos e se lembraram de ir com uns sacos, ao cair da noite, apanhar à sorrelfa, uns melões de um vizinho, que lhes apareceu de caçadeira em punho, quando já tinham os sacos meio cheios, fazendo-os largar os sacos e correr com quantas pernas tinham, que até parecia que as duas não chegavam.
A história ainda o fez rir um pouco, mas logo a seguir, esmoreceu e de novo a melancolia tomou-lhe conta do olhar.
-Mas estava doente? perguntei...
-... morreu de tristeza. A mulher tinha morrido vai fazer três anos e agora os filhos queriam metê-lo num lar. Quando lhe entraram em casa, encontraram-no morto, deitado na cama, ninguém sabe ao certo de que morreu, cá para mim foi de tristeza.
-A gente tem de morrer de alguma coisa Manel, olhe, tristeza pode ser um mal como outro qualquer.
Lembrei-me da minha amiga e do alpercheiro, que provavelmente, terá morrido também de tristeza...

4 comentários:

Catarina disse...

Escreveste com tanta clareza que parece que também eu estava presente nesse momento. A tristeza profunda mata – já tenho ouvido dizer. Acredito.
Abraço.
Catarina

Anônimo disse...

Bartolomeuamigo

Vem um homem de Trás-os-Montes (e Alto Douro) e apanha com esta estória muitíssimo bem contadérrima, desde o alpercheiro até ao senhor Isidro que um qualquer os tenha à direita dele, árvores e homens é tudo a mesma coisa, têm direito às mesmas nuvens, têm (ou deviam ter) raízes e por aí fora. Uff, ca ganda período. E sem penso - penso.

Esqueceste-te totalmente, completamente, absolutamente, talqualmente da nossa Travessa; ou seja, também me olvidaste. Sou muito desinfeliz.

E prontos (sem s), por hoje é tudo. Apesar do pesar

Abç

Bartolomeu disse...

Será que quando tomamos conhecimentos das histórias dos outros, nos tornamos num só, Catarina?
Por vezes penso nisso...
Afinal a vida é tão comum e nós pensamos tanto que a nossa é sempre diferente e distante das vidas dos demais...
;)

Bartolomeu disse...

Andaste por belíssimos locais, Henrique, espero que te tenhas divertido e tenhas aproveitado bem as paisagens, os morfes e os bebes, que por essas zonas, são sempre divinais.
;)
Tens razão, tenho sido muito preguiçoso no que respeita a comentar nos blogs dos amigos.
Deve ser efeito da letargia estival.
;))
Mas fica prometido, vou começar a aditivar o combustível que consumo e passar a ser mais assíduo.
;)))