Daqui, de onde estou, consigo ver o sol
beijando o mar.
E depois, devagarinho, esconder-se
do outro lado do mundo.
Sorrio e penso. Será que apetece ao sol
brincar com o meu olhar?
Em seguida, escurece, o sol perde-se
e em volta, o mar, fica mais fundo.
terça-feira, 30 de agosto de 2011
Um versinho pá Rosa...
A metade de mim
que já não sou
Repousa nesse jardim
onde um dia, nosso amor se consumou.
E a rosa molhada,
que sobre o peito, descansa
Olha-me ainda pura, encarnada.
Lembrança de uma paixão mansa.
E ainda, plácidamente me embala
como valsa roçagante
Ainda pelo meu corpo resvala
Quando desejas ser minha amante.
A metade de mim, que fui
Guarda-se na memória do tempo
Um tempo que parou, mas flui
Quando do meu ser se solta um lamento.
que já não sou
Repousa nesse jardim
onde um dia, nosso amor se consumou.
E a rosa molhada,
que sobre o peito, descansa
Olha-me ainda pura, encarnada.
Lembrança de uma paixão mansa.
E ainda, plácidamente me embala
como valsa roçagante
Ainda pelo meu corpo resvala
Quando desejas ser minha amante.
A metade de mim, que fui
Guarda-se na memória do tempo
Um tempo que parou, mas flui
Quando do meu ser se solta um lamento.
quinta-feira, 25 de agosto de 2011
Ai os meus marmelos!
O burro do Ti Xico comeu-me os marmelos todos.
Não eram muitos, não passariam de uma dúzia, mas estavam lindos e eram os primeiros que a árvore produzia desde que há 2 anos a plantei.
-Não é burro! É macho espanhol, afirma o Ti Xico pela enésima vez, colocando algum ênfase na frase. Eu, para o arreliar, refiro-me sempre ao Gaspar, designando-o por burro.
-Você não vê que um burro é mais pequeno...?!
-Para mim é burro, Ti Xico. Tem aspecto de burro... se é maior ou não, não sei. É burro!
-Ah!!! É macho! É filho de burro com égua, por isso não é burro...
Quando ontem ao fim do dia me dirigi ao pomar, para regar as árvores, topei com o Gaspar lá ao fundo a tasquinhar os últimos marmelos.
-Ah malvado! Salta daí, burro maluco! Seu sacana, comeste-me os marmelos todos...
O Gaspar espetou as orelhas, esticou as beiçolas, e mandou dois ou três zurros, que me deixaram sem perceber muito bem, se me estava a agradecer, ou a mandar bugiar.
Quando cheguei mais perto, percebi que se tinha soltado da corda com que o Ti Xico o prende a uma estaca e então, decidira provar os meus marmelos.
Passada a zanga e depois de voltar a prender o Gaspar no sítio, lembrei-me de uma certa tarde de verão; teria uns doze anos e ajudava uma vizinha dois anos mais velha, repetente, a preparar-se para os exames de segunda chamada.
Rosa, vinha quase todos as tardes a minha casa, para rever a matéria dada durante o ano lectivo e tentar esclarecer dúvidas. Ficávamos numa pequena sala de costura, que dava para as traseiras da casa, sentados a uma mesa redonda, onde com enfado, a Rosa estendia livros e cadernos e ficava especada a olhar para mim, esperando pelo milagre de uma injecção de sabedoria.
Eu, tentava "espremer" da miúda as dificuldades que sentia, para tentar explicar-lhe aquilo que necessitava saber para passar nos exames.
Rosa, passava o tempo a divergir para conversas que nada tinham a ver com a matéria e que não colhiam minimamente o meu interesse.
Naquela tarde, apareceu de saia azul e blusa branca.
Vinha diferente.
Parecia que transportava uma luz, um brilho, algo que me provocou uma sensação de nervosismo e que não consegui perceber muito bem.
Sentou-se à minha frente como de costume. Poisou os livros e os cadernos sobre a mesa e ficou a olhar-me de frente, com um leve sorriso a bailar-lhe nos lábios.
Notei que tinha dois botões da blusa branca, desabotoados. Notei que sob o tecido semi-transparente da blusa, dois pontos rosados, faziam o tecido levantar.
Petrifiquei o olhar naqueles pontos.
Os sentidos em alvoroço e uma atrapalhação indescritível, assaltaram-me. Como que sob um efeito hipnótico, o olhar fixo nos rosados mamilos de Rosa, condicionava-me o raciocínio.
Sem proferir uma palavra e sem desviar o seu olhar do meu, Rosa, pegou-me na mão direita e colocou-a sobre o seu seio direito.
-Mexe! disse ela baixinho, mantendo sempre o mesmo sorriso e o olhar fixo no meu.
Não mexi. Toquei ao de leve, o suficiente para sentir a maciez da pele, a rijeza do mamilo, o calor da carne.
Rosa, colocou então a sua mão sobre a minha e exerceu alguma pressão. Tentei retirar a minha, mas Rosa segurou-a e conduziu-a até ao outro seio, igualmente macio, rijo e quente, semi-cerrando os olhos e soltando um leve gemido.
Senti o rosto afogueado, invadiu-me uma sensação de embriaguez, algo que nunca tinha sentido até ali. Sobre as calças, elevou-se um feroz desejo de algo que não sabia identificar mas que me impelia a abraçar e beijar Rosa.
Assim foi, mas dali não passou.
Rosa, recolhendo os livros e cadernos, levantou-se de um salto e anunciou que se tinha esquecido de um compromisso, que tinha de ir embora.
Saiu.
A natureza cumpriu a sua parte!
Alguém inventou o ditado: "O primeiro milho é dos pardais". Esqueceu-se de acrescentar: "Os primeiros marmelos são do burro".
Ai... do burro não. Do macho espanhol!
;))))))
Não eram muitos, não passariam de uma dúzia, mas estavam lindos e eram os primeiros que a árvore produzia desde que há 2 anos a plantei.
-Não é burro! É macho espanhol, afirma o Ti Xico pela enésima vez, colocando algum ênfase na frase. Eu, para o arreliar, refiro-me sempre ao Gaspar, designando-o por burro.
-Você não vê que um burro é mais pequeno...?!
-Para mim é burro, Ti Xico. Tem aspecto de burro... se é maior ou não, não sei. É burro!
-Ah!!! É macho! É filho de burro com égua, por isso não é burro...
Quando ontem ao fim do dia me dirigi ao pomar, para regar as árvores, topei com o Gaspar lá ao fundo a tasquinhar os últimos marmelos.
-Ah malvado! Salta daí, burro maluco! Seu sacana, comeste-me os marmelos todos...
O Gaspar espetou as orelhas, esticou as beiçolas, e mandou dois ou três zurros, que me deixaram sem perceber muito bem, se me estava a agradecer, ou a mandar bugiar.
Quando cheguei mais perto, percebi que se tinha soltado da corda com que o Ti Xico o prende a uma estaca e então, decidira provar os meus marmelos.
Passada a zanga e depois de voltar a prender o Gaspar no sítio, lembrei-me de uma certa tarde de verão; teria uns doze anos e ajudava uma vizinha dois anos mais velha, repetente, a preparar-se para os exames de segunda chamada.
Rosa, vinha quase todos as tardes a minha casa, para rever a matéria dada durante o ano lectivo e tentar esclarecer dúvidas. Ficávamos numa pequena sala de costura, que dava para as traseiras da casa, sentados a uma mesa redonda, onde com enfado, a Rosa estendia livros e cadernos e ficava especada a olhar para mim, esperando pelo milagre de uma injecção de sabedoria.
Eu, tentava "espremer" da miúda as dificuldades que sentia, para tentar explicar-lhe aquilo que necessitava saber para passar nos exames.
Rosa, passava o tempo a divergir para conversas que nada tinham a ver com a matéria e que não colhiam minimamente o meu interesse.
Naquela tarde, apareceu de saia azul e blusa branca.
Vinha diferente.
Parecia que transportava uma luz, um brilho, algo que me provocou uma sensação de nervosismo e que não consegui perceber muito bem.
Sentou-se à minha frente como de costume. Poisou os livros e os cadernos sobre a mesa e ficou a olhar-me de frente, com um leve sorriso a bailar-lhe nos lábios.
Notei que tinha dois botões da blusa branca, desabotoados. Notei que sob o tecido semi-transparente da blusa, dois pontos rosados, faziam o tecido levantar.
Petrifiquei o olhar naqueles pontos.
Os sentidos em alvoroço e uma atrapalhação indescritível, assaltaram-me. Como que sob um efeito hipnótico, o olhar fixo nos rosados mamilos de Rosa, condicionava-me o raciocínio.
Sem proferir uma palavra e sem desviar o seu olhar do meu, Rosa, pegou-me na mão direita e colocou-a sobre o seu seio direito.
-Mexe! disse ela baixinho, mantendo sempre o mesmo sorriso e o olhar fixo no meu.
Não mexi. Toquei ao de leve, o suficiente para sentir a maciez da pele, a rijeza do mamilo, o calor da carne.
Rosa, colocou então a sua mão sobre a minha e exerceu alguma pressão. Tentei retirar a minha, mas Rosa segurou-a e conduziu-a até ao outro seio, igualmente macio, rijo e quente, semi-cerrando os olhos e soltando um leve gemido.
Senti o rosto afogueado, invadiu-me uma sensação de embriaguez, algo que nunca tinha sentido até ali. Sobre as calças, elevou-se um feroz desejo de algo que não sabia identificar mas que me impelia a abraçar e beijar Rosa.
Assim foi, mas dali não passou.
Rosa, recolhendo os livros e cadernos, levantou-se de um salto e anunciou que se tinha esquecido de um compromisso, que tinha de ir embora.
Saiu.
A natureza cumpriu a sua parte!
Alguém inventou o ditado: "O primeiro milho é dos pardais". Esqueceu-se de acrescentar: "Os primeiros marmelos são do burro".
Ai... do burro não. Do macho espanhol!
;))))))
quarta-feira, 24 de agosto de 2011
A distância e o tempo
Sempre acho, que o ponto de onde observamos, pode condicionar a forma como entendemos.
Ou seja; se nos encontrarmos num determinado ponto de uma fila de gente, com a finalidade de chegarmos a outro ponto, que poderá ser a bilheteira de um teatro, por exemplo; difícilmente teremos a percepção da distância a que nos encontramos desse ponto, ou, e, do número de pessoas que se encontram entre nós e o ponto que desejamos atingir.
Contudo, se tivermos a possibilidade de nos encarrapicharmos às cavalitas de alguém, dependendo da extensão da fila onde nos encontramos, poderemos percepcionar um pouco melhor a referida distância.
Mas; imaginemos que nos encontramos numa cidade e que a fila onde nos encontramos se estende ao longo de várias artérias, que viram à esquerda e à direita...
Então, para podermos ter a tal percepção, precisaríamos de um ponto de observação mais elevado, que os costados do parceiro da frente. Talvez de um terraço de um edifício, ou do alto de uma torre, a nossa visão pudesse abarcar toda a extensão da fila em que nos encontramos.
Mas; imaginemos que a fila onde nos encontramos, se prolonga por diversos países e continentes...
Então, seria necessário dispormos de um ponto de observação tão alto e tão distante, que nos permitisse abarcar toda a extensão dessa fila.
No entanto, o facto de conhecermos a verdadeira distância que separa o ponto que ocupamos na fila, do ponto que pretendemos atingir, não nos permite alterar a distância, nem o tempo que demoraremos a atingi-lo.
;))
Ou seja; se nos encontrarmos num determinado ponto de uma fila de gente, com a finalidade de chegarmos a outro ponto, que poderá ser a bilheteira de um teatro, por exemplo; difícilmente teremos a percepção da distância a que nos encontramos desse ponto, ou, e, do número de pessoas que se encontram entre nós e o ponto que desejamos atingir.
Contudo, se tivermos a possibilidade de nos encarrapicharmos às cavalitas de alguém, dependendo da extensão da fila onde nos encontramos, poderemos percepcionar um pouco melhor a referida distância.
Mas; imaginemos que nos encontramos numa cidade e que a fila onde nos encontramos se estende ao longo de várias artérias, que viram à esquerda e à direita...
Então, para podermos ter a tal percepção, precisaríamos de um ponto de observação mais elevado, que os costados do parceiro da frente. Talvez de um terraço de um edifício, ou do alto de uma torre, a nossa visão pudesse abarcar toda a extensão da fila em que nos encontramos.
Mas; imaginemos que a fila onde nos encontramos, se prolonga por diversos países e continentes...
Então, seria necessário dispormos de um ponto de observação tão alto e tão distante, que nos permitisse abarcar toda a extensão dessa fila.
No entanto, o facto de conhecermos a verdadeira distância que separa o ponto que ocupamos na fila, do ponto que pretendemos atingir, não nos permite alterar a distância, nem o tempo que demoraremos a atingi-lo.
;))
quinta-feira, 18 de agosto de 2011
O Sôre Isidro morreu...
A uma amiga morreu um alpercheiro que tinha plantado há quase vinte anos. Uma doença estranha e subita, secou-o ramo após ramo até ao tronco e à raiz. Apesar dos esforços empregues, a minha amiga não conseguiu salvar o alpercheiro. A minha amiga acha que a morte do alpercheiro pode ser o prenúncio daquilo que virá a acontecer na União Europeia que, tal como o alpercheiro, possui alguns ramos que evidenciam sinais de doença grave, que os esforços de alguns parecem insuficientes para conseguir debelar.
Hoje, apareceu-me o meu vizinho Manel.
Vinha cabisbaixo, acabrunhado.
-Então sô Manel, que tal vai a vida?!
-Vai indo...
Eu, andava de volta de uns pinheiros que plantei em Novembro passado, a limpar-lhe as covas que já se tinham enchido de ervas.
-Tenho de limpar isto sô Manel, senão, um dia destes há mais ervas que pinheiros-
-Sabes quem morreu?
O Sô Manel tem o habito de tratar toda a gente por tu, diz ele que, uma vez que somos todos irmãos uns dos outros, não há motivos para tratar uns por senhores e outros por doutores ou engenheiros, ou outra coisa qualquer...
Acho que ele tem toda a razão, mas não me habituo a trata-lo assim, apesar da insistência dele: -Trata-me por tu, pá!
-Não faço ideia, quem foi?
-O Isidro, sabes quem é?!
-Sei muito bem, era ele que me enxertava as árvores.
-Era o melhor a enxertar! Olha que chegaram a vir cá buscá-lo de carro, para ir enxertar para fora, chegou a ir para o Alentejo e lá para cima, para a Guarda e para Viseu... e para mais lados.
O sô Manel não tirava os olhos do chão enquanto ia falando e recordando o amigo Isidro. Notei a tristeza que lhe enchia o coração.
- O Sô Isidro já devia ter idade, não?!
-Somos da mesma idade, fomos às sortes no mesmo dia. Foi a primeira vez que estive em Lisboa.
Nesta altura, os olhos do Sô Manel ganharam algum ânimo. Depois, levantando a cabeça e olhando para longe, lembrou um episódio, quando tinham ambos 16 anos e se lembraram de ir com uns sacos, ao cair da noite, apanhar à sorrelfa, uns melões de um vizinho, que lhes apareceu de caçadeira em punho, quando já tinham os sacos meio cheios, fazendo-os largar os sacos e correr com quantas pernas tinham, que até parecia que as duas não chegavam.
A história ainda o fez rir um pouco, mas logo a seguir, esmoreceu e de novo a melancolia tomou-lhe conta do olhar.
-Mas estava doente? perguntei...
-Nã... morreu de tristeza. A mulher tinha morrido vai fazer três anos e agora os filhos queriam metê-lo num lar. Quando lhe entraram em casa, encontraram-no morto, deitado na cama, ninguém sabe ao certo de que morreu, cá para mim foi de tristeza.
-A gente tem de morrer de alguma coisa Sô Manel, olhe, tristeza pode ser um mal como outro qualquer.
Lembrei-me da minha amiga e do alpercheiro, que provavelmente, terá morrido também de tristeza...
Hoje, apareceu-me o meu vizinho Manel.
Vinha cabisbaixo, acabrunhado.
-Então sô Manel, que tal vai a vida?!
-Vai indo...
Eu, andava de volta de uns pinheiros que plantei em Novembro passado, a limpar-lhe as covas que já se tinham enchido de ervas.
-Tenho de limpar isto sô Manel, senão, um dia destes há mais ervas que pinheiros-
-Sabes quem morreu?
O Sô Manel tem o habito de tratar toda a gente por tu, diz ele que, uma vez que somos todos irmãos uns dos outros, não há motivos para tratar uns por senhores e outros por doutores ou engenheiros, ou outra coisa qualquer...
Acho que ele tem toda a razão, mas não me habituo a trata-lo assim, apesar da insistência dele: -Trata-me por tu, pá!
-Não faço ideia, quem foi?
-O Isidro, sabes quem é?!
-Sei muito bem, era ele que me enxertava as árvores.
-Era o melhor a enxertar! Olha que chegaram a vir cá buscá-lo de carro, para ir enxertar para fora, chegou a ir para o Alentejo e lá para cima, para a Guarda e para Viseu... e para mais lados.
O sô Manel não tirava os olhos do chão enquanto ia falando e recordando o amigo Isidro. Notei a tristeza que lhe enchia o coração.
- O Sô Isidro já devia ter idade, não?!
-Somos da mesma idade, fomos às sortes no mesmo dia. Foi a primeira vez que estive em Lisboa.
Nesta altura, os olhos do Sô Manel ganharam algum ânimo. Depois, levantando a cabeça e olhando para longe, lembrou um episódio, quando tinham ambos 16 anos e se lembraram de ir com uns sacos, ao cair da noite, apanhar à sorrelfa, uns melões de um vizinho, que lhes apareceu de caçadeira em punho, quando já tinham os sacos meio cheios, fazendo-os largar os sacos e correr com quantas pernas tinham, que até parecia que as duas não chegavam.
A história ainda o fez rir um pouco, mas logo a seguir, esmoreceu e de novo a melancolia tomou-lhe conta do olhar.
-Mas estava doente? perguntei...
-Nã... morreu de tristeza. A mulher tinha morrido vai fazer três anos e agora os filhos queriam metê-lo num lar. Quando lhe entraram em casa, encontraram-no morto, deitado na cama, ninguém sabe ao certo de que morreu, cá para mim foi de tristeza.
-A gente tem de morrer de alguma coisa Sô Manel, olhe, tristeza pode ser um mal como outro qualquer.
Lembrei-me da minha amiga e do alpercheiro, que provavelmente, terá morrido também de tristeza...
quinta-feira, 11 de agosto de 2011
O Vento
Há muitos anos conheci em Sesimbra, um Homem e um barco.
Do Homem, esqueci o nome pelo qual era conhecido. Do barco, recordo-me ainda do nome. Era "O Vento".
O Homem tinha já passado os 90 anos de idade. Baixo, seco, ágil, cabelos brancos, olhar vivo, e um interesse sem tamanho, por tudo o que o rodeava. Vivia dentro do seu barco, que é como quem diz; vivia dentro do vento.
Estabelecemos laços de amizade, eu, o Homem e o Vento.
Um dia, contou-me que aquele barco era o culminar do sonho de uma vida. Desenhara-o e construíra-o num estaleiro perto de Vila Nova de Mil Fontes. O casco, todo em madeira, possuía linhas esguias e harmoniosas, a cabine era baixa e exígua, sem mais comodidades que as suficientes para lhe albergar o corpo franzino.
O Homem, contou-me que construíra "O Vento" com um propósito final... o de ser a sua última morada. Tinha decidido que quando sentisse chegar o final, sairia n'O Vento, oceano dentro e afundar-se-iam juntos.
Antes de me fazer esta confidência, olhou-me fixamente nos olhos e pediu-me que guardasse o segredo que iria confiar-me, porque a família não conhecia o seu paradeiro, e sabia que se fosse encontrado, seria impedido de realizar o seu sonho.
Lembro-me de ter passado uns dias e umas noites inquieto, sem saber ao certo que decisão tomar. Se por um lado aprovava e apoiava a decisão do Homem, por outro, a consciência alertava-me para a aflição em que os filhos e restante família andariam, por não saberem dele.
Entretanto, durante os últimos dias que ainda estive de férias, acompanhei o Homem em pequenas viagens ao longo da costa.
"O Vento" era um barco lindo, ligeiro, facílimo de manobrar, uma espécie de "escuna" em ponto pequeno.
O Homem tinha criado um sistema inédito que lhe permitia, através de um conjunto de roldanas, içar-se ao topo do mastro, sentado numa pequena prancha idêntica ao banco de um baloiço de crianças, e dali, usando cordas, manobrar a direcção do barco e a posição das velas.
Era impressionante assistir à satisfação do Homem, quando içado no topo do mastro, concentrado na direcção do vento, olhos postos no horizonte, conduzindo o seu sonho, cortando vagas, virando de bordo, bolinando e arribando, como um cavaleiro cruzado, adestrando a sua montada, preparando-se para a derradeira batalha.
Dois dias antes de terminar as férias, apareceu em Sesimbra, um fotógrafo e um jornalista do "Correio da Manhã". Alguém os tinha alertado para a presença daquele Homem e daquele barco, que era manobrado de uma forma estranha.
Na sua simplicidade e inocência, o Homem recebeu-os a bordo e concedeu-lhes a entrevista que lhe pediram, demonstrando a forma de manejo que concebera. Esqueceu-se no entanto que o jornal chegava a muitos sítios, inclusive... a Vila Nova de Mil Fontes, onde a família do Homem residia e o procurava.
Quando voltei a Sesimbra, soube que a família do Homem o encontrou e o recolheu.
A "O Vento" vim a encontra-lo alguns anos depois, na doca de Belém, em cima da muralha, assente numa armação de madeira, parado.
O Homem, não existe já, certamente. Talvez os seus ossos repousem, num qualquer cemitério da costa alentejana.
Mas os sonhos e o vento permanecem!
Do Homem, esqueci o nome pelo qual era conhecido. Do barco, recordo-me ainda do nome. Era "O Vento".
O Homem tinha já passado os 90 anos de idade. Baixo, seco, ágil, cabelos brancos, olhar vivo, e um interesse sem tamanho, por tudo o que o rodeava. Vivia dentro do seu barco, que é como quem diz; vivia dentro do vento.
Estabelecemos laços de amizade, eu, o Homem e o Vento.
Um dia, contou-me que aquele barco era o culminar do sonho de uma vida. Desenhara-o e construíra-o num estaleiro perto de Vila Nova de Mil Fontes. O casco, todo em madeira, possuía linhas esguias e harmoniosas, a cabine era baixa e exígua, sem mais comodidades que as suficientes para lhe albergar o corpo franzino.
O Homem, contou-me que construíra "O Vento" com um propósito final... o de ser a sua última morada. Tinha decidido que quando sentisse chegar o final, sairia n'O Vento, oceano dentro e afundar-se-iam juntos.
Antes de me fazer esta confidência, olhou-me fixamente nos olhos e pediu-me que guardasse o segredo que iria confiar-me, porque a família não conhecia o seu paradeiro, e sabia que se fosse encontrado, seria impedido de realizar o seu sonho.
Lembro-me de ter passado uns dias e umas noites inquieto, sem saber ao certo que decisão tomar. Se por um lado aprovava e apoiava a decisão do Homem, por outro, a consciência alertava-me para a aflição em que os filhos e restante família andariam, por não saberem dele.
Entretanto, durante os últimos dias que ainda estive de férias, acompanhei o Homem em pequenas viagens ao longo da costa.
"O Vento" era um barco lindo, ligeiro, facílimo de manobrar, uma espécie de "escuna" em ponto pequeno.
O Homem tinha criado um sistema inédito que lhe permitia, através de um conjunto de roldanas, içar-se ao topo do mastro, sentado numa pequena prancha idêntica ao banco de um baloiço de crianças, e dali, usando cordas, manobrar a direcção do barco e a posição das velas.
Era impressionante assistir à satisfação do Homem, quando içado no topo do mastro, concentrado na direcção do vento, olhos postos no horizonte, conduzindo o seu sonho, cortando vagas, virando de bordo, bolinando e arribando, como um cavaleiro cruzado, adestrando a sua montada, preparando-se para a derradeira batalha.
Dois dias antes de terminar as férias, apareceu em Sesimbra, um fotógrafo e um jornalista do "Correio da Manhã". Alguém os tinha alertado para a presença daquele Homem e daquele barco, que era manobrado de uma forma estranha.
Na sua simplicidade e inocência, o Homem recebeu-os a bordo e concedeu-lhes a entrevista que lhe pediram, demonstrando a forma de manejo que concebera. Esqueceu-se no entanto que o jornal chegava a muitos sítios, inclusive... a Vila Nova de Mil Fontes, onde a família do Homem residia e o procurava.
Quando voltei a Sesimbra, soube que a família do Homem o encontrou e o recolheu.
A "O Vento" vim a encontra-lo alguns anos depois, na doca de Belém, em cima da muralha, assente numa armação de madeira, parado.
O Homem, não existe já, certamente. Talvez os seus ossos repousem, num qualquer cemitério da costa alentejana.
Mas os sonhos e o vento permanecem!
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