As manhãs, no casarão do Minho, passavam menos opressivas que as tardes, porém, ainda monótonas.
Inavariávelmente, após o pequeno almoço e a determinação das tarefas diárias, a Senhora esgueirava-se por um corredor que, descobri depois, conduzia a uma pequena capela adjacente à casa.
Ali permanecia em meditação e oração durante quase toda a manhã.
Durante esse tempo, saía para o jardim da casa e dava a liberdade possível à irrequietude dos meus 10 anos, explorando os recantos bucólicos do jardim e observando as aves exóticas que habitávam uma gaiola com tamanho de casa de arrumos, toda em pedra granìtica, telhado e uma frontaria em rede metálica, que permitia observar os movimentos dos faisões reais, das araras, e de mais uma quantidade de outras. Por trás da casa dos pássaros, corria um regato, que terminava num pequeno lago, onde me entretinha a colocar paus que imaginava barcos, a descer a corrente, promovendo corridas e passando assim o tempo de férias que decorria enfadonho.
Na manhã seguinte ao incidente da jarra partida, quando me achava sentado sob um carramachão em frente da casa dos pássaros, entretido a observar as aves exóticas, apreceu, vinda do fundo do jardim, Izilda.
Vinha com um ar envergonhado e andar indeciso, fingindo que prestava atenção aos canteiros de flores que ladeavam o caminho em calçada de granito.
Quando chegou a dois passos de mim, parou e, com os olhos colados ao chão e algum rubor nas faces, disse-me: - Obrigada por me ter salvo ontem.
- Fiquei parado a olhar para ela, sentindo-me um Don Quixote que terá salvo das mãos do gigante a sua doce Dolcineia.
- Não precisas agradecer nada, respondi-lhe, eu tambem não gosto da velha, nem da casa, nem da cozinheira, nem do Senhor... so gosto dos pássaros.
E rimo-nos os dois do final da minha resposta.
Izilda aproximou-se um pouco mais e perguntou-me: E de mim, não gostas?
Hesitei por momentos, sentindo o arrepio que a pergunta causou em mim e meio à toa respondi: - Gosto, claro que gosto, e até gosto mais de ti, que dos pássaros.
Voltámos a rir-nos da resposta.
Quando parámos de rir, Izilda sentou-se no banco ao meu lado e perguntou-me:
- Já alguma vez beijaste uma rapariga?
Novo arrepio percorreu-me o corpo e nova resposta hesitante surgiu: - ...já!
- Na boca?
- Na boca, não!
Sem mais perguntas, Izilda aproximou o seu rosto do meu e encostou aos meus os seus lábios, colocando neles um terno beijo.
Em seguida, levantou-se rápidamente e voltou-se para o caminho por onde tinha surgido.
Chamei-a.
Sem parar, avisou: - Tenho de ir já, senão a Jenoveva vem à minha procura.
-Espera, quero falar contigo.
- Depois!
Sentei-me de novo do banco, fiquei longos momentos a tentar perceber o que tinha acontecido durante aqueles breves instantes em que Izilda esteve junto de mim.
Depois, notei com surpreza que as aves tinham interrompido o seu natural e constante cacarejar. Depois, em sobressalto pensei se teria ficado surdo durante aquele tempo!?
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segunda-feira, 19 de outubro de 2009
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4 comentários:
Não resisti e vim dar uma espreitadela para ver se havia um segundo capítulo aos “Azulejos Pequeninos”. Não me enganei. Agora estou com curiosidade... Não posso perder o desenrolar da estória... Irá acontecer alguma espécie de “iniciação”?
Fico a aguardar... Entretanto, tenho que ir trabalhar...
C
confirma-se a enorme capacidade intuitiva, Catarina...
;)
Acho que já sei como é que esta história vai acabar.
Continua a ver se acertei.
Acho que sim, que sabes, Leozinha. Não como vai acabar, mas sim como vai continuar, porque tu sabes bem... uma história nunca acaba e a prova-lo aqui está a historia a ser recontada... ad-eternum.
;))))))
Have a kiss my dear, or have a cigar...
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