sexta-feira, 24 de maio de 2013

À quanto tempo...

Enquanto esperava que o nº da minha senha aparecesse no monitor da repartição de finanças, ouvi ao meu lado uma voz chamar: Bartolomeu?!


Olhei para o lado, reconheci os traços fisionómicos, lembrei-me que pertenciam a alguém de quem já me não lembrava o nome.

Sim. Respondi.

-Não te lembras de mim?

-Lembro-me da embalagem, mas não do rótulo, respondi.

-Sorriu e aliviou o preconceito: sempre o mesmo brincalhão.

-Sou o Álvaro, não te lembras?!

-Ah, agora sim, recordo-me perfeitamente.

Entretanto fez sinal a uma dama que se achava sentada, a qual imediatamente se juntou a nós.

-Então como estás?

-Há tanto tempo que não nos víamos...

Mentalmente, apeteceu-me pedir desculpa pela falta, mas logo em seguida, considerei que afinal, se ela existia, deveria ser repartida pelos 3, o que se torna numa operação difícil, contudo, decidi concordar acertando-lhe com um "chavão".

-É verdade, há já muito tempo, as vidas levam-nos por caminhos que nos afastam, as obrigações também...

-Tens razão, é isso mesmo, responderam-me. Olha, nós já estivemos a viver no Porto, depois em Viseu e em Évora, há poucos anos é que regressámos a Lisboa, mas agora é definitivo... esta vida de tribunais é assim.

-Pois... concordei, como se por ventura supusesse como raio é a vida de 2 juízes...

-Olha lá, que idade tens, perguntou-me ele, mais à vontade para o fazer.

-Tenho a mesma que tu.

Franziu uma sobrancelha e ergueu a outra, como se estivesse a avaliar o depoimento do réu atirou-me:

-Não, a mesma não tens, eu sou mais velho, não é muita a diferença, mas sei que tenho mais uns anitos.

Ela, aconchegando a sentença dele e arvorando um sorriso maroto, arriscou com alguma hesitação:

-Deves estar mais ou menos nos cinquenta...

-Enganas-te, respondi-lhe. Se queres saber, estou mais ou menos nos 12.000.

Riram-se ambos com gosto. Ele tentando parece perspicaz, devolveu-me:

-Então quando disseste que tens a minha idade estavas a chamar-me dinossauro.

Não, nada disso, esses são anteriores a nós.

Nesta altura, olharam um para o outro e nesse olhar pude divisar claramente o que ambos pensavam: Mais um que se "passou" com todas estas crises e problemas sociais e político e o diabo a sete.

Ela, então, muito diplomaticamente, declarou:

-Olhem, vocês desculpem mas vou ter me sentar um pouco, as minhas pernas já não suportam estar muito tempo em pé, parada.

Ele, um tanto desengonçadamente, manteve-se ao meu lado, rebuscando na mente um tema de conversa para justificar a permanência.

-Mas desculpa lá insistir, tu não és mais novo que eu? É que, eu lembro-me de estar no fim do curso e tu ainda não tinhas entrado na faculdade.

-Sim, é verdade. E não cheguei a entrar.

-Pois, agora me lembro, não chegaste a entrar. Andaste durante um tempo por fora, ninguém te via e eu a estagiar...

-Exactamente!

-Então vês?! Sou mais velho que tu pelo menos uns 5 ou 6 anos.

-Ok, se preferes assim, por mim, não tenho nada a objectar.

-Olha lá, tu estar a gozar com a minha cara, certo?

-Porque dizes isso?

-Então estás a dizer que temos ambos 12.000 anos!

-E é verdade, se confiarmos nos resultados das observações feitas por cientistas ao esqueleto humano fossilizado, mais antigo do mundo, é essa idade que temos.

-Ó pá, lá estás tu. Agora vens-me falar de fósseis?

-Então, não foste tu que perguntaste a minha idade?

-Bom, desculpa mas é difícil manter uma conversa sensata contigo. Olha, gostei de te ver, mas vou sentar-me ao lado da minha mulher, está um lugar vago.

-Vai sim Álvaro, e dá cumprimentos meus à Ana.

-À Ana?! À Luisa, queres dizer...

-Luisa ou Ana é indiferente, do mesmo modo que ter 12.000 ou cinquenta e tal.

Virou as costas e dirigiu-se para junto da mulher, mas se a audição não me engana, pelo caminho ainda disse um Chica! entredentes.

10 comentários:

Rosa dos Ventos disse...

Um diálogo muito longo para quem já tem 12.000 anos...ou Kms?! :-))

Abraço

Bartolomeu disse...

lololol
Kms são muito mais, Rosinha!
Tantos, que o ponteiro do conta-km até já está meio enferrujado...
;)))))

jorge esteves disse...

Lá que o Álvaro 'levou que contar', levou...
Mas cá para nós, interessante, interessante, deve ser a história da... Ana! Digo eu!
abraço!

Bartolomeu disse...

Não sei se poderá reflectir algum pedantismo da minha parte, Jorge; mas foram já bastantes as Anas que conheci, algumas, com histórias muito interessantes.

BF disse...

As idades de cada um estão na forma como sentimos a vida :)

Bartolomeu disse...

Não diria melhor, Papoila.
;))

Cristina Torrão disse...

És mesmo um viajante do tempo... ;)

Bartolomeu disse...

Tento, Cristina.
O que me deixa compreender não haver diferenças entre o "dia de ontem" e o "dia de hoje".
É este o objectivo dos que como tu e eu desejam poder um dia, conhecer os tempos passados... conhecer o que nos distingue dos antepassados e o que significa na realidade "evolução" da espécie.
Secalhar, isso acaba por ser tão ilusório como a própria vida.
;))

George Sand disse...

No caso do Álvaro era capaz de ter um bocadinho mais do que 12.000 anos...não tem muito ar de sapiens...

Bartolomeu disse...

Pois, George; a sapiencia nem sempre corresponde ao que nela esperamos encontrar. Tal como tudo o resto, a relatividade também a condiciona. ;)