Conheço dois homens da mesma idade (80 anos)mas, de condição diferente. Um, conheço-o à menos tempo, é uma pessoa simples do campo, analfabeto. Ao outro, conheço-o desde criança, é médico, académico, intelectual. Tenho-os a ambos em muita consideração, são ambos muito bons, sempre prontos a ajudar o próximo e a partilhar conhecimento. O rural, possui terras, animais, árvores de fruto, vegetais e, um conhecimento do tempo, da terra e das coisas simples, impressionante. O outro, dedicou a vida à profissão e com ela, acumulou fortuna à que já possuía de herança. Possui bens materiais e um conhecimento imenso de medicina e de outras ciências.
Chegaram ambos a um ponto do percurso das suas vidas em que o fim natural pressentem estar próximo.
O rural, quando conversamos, conta-me com saudade os tempos difíceis em que pouco ou nada possuía, para além da fome e da certeza que se não conseguisse trabalhar para os grandes agrários, difícilmente teria uma refeição. Com a mesma saudade, um brilho intenso no olhar e um sorriso maroto a bailar-lhe nos lábios, recorda as romarias e os bailaricos dos tempos de juventude, quando pedia uma bicicleta emprestada a um vizinho, percorria 40 kms por estradas de terra, para ir a um bailarico, e voltava já noite avançada, com "o grãozinho na asa" e uma satisfação a encher-lhe o peito até mais não, por haver dançado 2 ou 3 modinhas com uma rapariga trigueira que já andava a catrapiscar desde o ano passado, quando a vira na feira anual acompanhada dos pais.
O médico, quando conversamos, conta-me com saudade os tempos de faculdade, em Coimbra. Depois, salta para a Guiné, onde já médico cumpriu o serviço militar. Tempos horríveis, recorda com sofrimento e angustia. Quando o primeiro filho nasceu, já se encontrava no meio daquele inferno. Depois, anima-se-lhe um pouco o olhar, quando recorda o início de carreira, já regressado do ultramar, os sucessos nos casos difíceis, as operações complicadas, os congressos onde perante colegas estrangeiros, expunha novos processos de tratamento com que obtivera sucessos. Foi, pode dizer-se uma estrela. Durante anos, deslocou-se semanalmente ao Porto, sua Terra Natal, para consultar e operar gratuitamente os mais necessitados. Um santo!... como muitos acharam que lhe deviam chamar.
Conheço dois homens da mesma idade (80 anos)mas, de condição diferente...
Não vivem muito longe, um do outro. Muitas vezes penso: se um acaso juntar no mesmo local estes dois Homens que conheço, e partirem desta vida no mesmo instante... será que o rural vai emprestar um pouco da alegria e do brilho do seu olhar, ao médico, àquele homem triste que a tantas vidas deu alento, saúde, felicidade?
Estou certo que sim, merece-o sem dúvida!
domingo, 26 de junho de 2011
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6 comentários:
Bonito, adorei ler.
Ambos, à sua maneira, envelheceram com dignidade. Saibamos todos fazê-lo!
Obrigado, Cristina.
Pode ser um exercício difícil, mas para construir essa dignidade, é importante saber utilizar em proveito comum, tanto o que de bom a vida nos vai oferecendo, como o que de mau.
;)
Todos iguais, todos diferentes!Iguais na essência, diferentes na modo de vida, na ambiência, nas próprias raízes...São factores que teremos de ter sempre em conta. Mas, para mim estes homens são apenas UM. Nada impede que numa fase da vida, ele, o tal, o literato, tenha tido a experiência da Guiné, de seminários, de salvar vidas e que depois, numa outra fase, mais avançada na idade, se dedicasse a essa vida simples do campo, em comunhão com a Natureza.E aquilo da namoradinha, das festas na aldeia, não passasse de um sonho, de um desejo de juventude.Ficaria a
sobrar o analfabetismo do outro que se resolveria dizendo, que todos nós somos analfabetos em alguma coisa, por isso mesmo já descobriram que não há apenas uma mas várias inteligências. Para a tristeza do primeiro, falta ainda a simbiose, a aceitação de que podemos ser aquilo que nós quisermos em qualquer momento da nossa vida.
A sério, Bartolomeu, adorei esta reflexão, com uma lógica que nos ensina deveras que todos nós somos importantes para a grande tarefa da sobrevivência mútua,qualquer que seja o lugar onde nos encontremos.
Bom Domingo.
Abraço
Olinda
Obrigado, Olinda.
Dizes bem, falta ainda a simbiose, quando esse "poder" for realmente entendido e conquistado... então os seres humanos terão ganho a verdadeira liberdade de Ser!
;)
Mutuamente igualitos
quando os penso juntar num!
Homens que dão de si
claro que sim, Bartô
são almas em comunhão
apenas o corpo viveu outra condição!
Se juntos partirem
muito terão para se rirem
e unirem em comum
os dois em um...
Gostei sim...
assim como do cordel!
A simplicidade que solta verdade"
E fica meu beijinho de domingo que foi bem descansadinho :)
saudadita do cantinho vim matar
e prometo voltar :)
Olá, minha Amiga Bailarina!
Pois... dizes bem: se ambos se rirem, é sinal que encontraram algo de bom para retirar das vidas que viveram... apesar das agruras e dos desaires, houve felicidade... mesmo que retirada das coisas pequenas, sem significado de maior.
;))
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