segunda-feira, 23 de julho de 2007

A Gente não Lê

Este é o título de um tema de Rui Veloso e Carlos Tê. Possuo o CD de Isabel Silvestre, que interpreta este tema magistralmente, ajudada pela sua voz límpida e timbrada, ornamentada pela característica pronuncia do Norte. Gostaria que as minhas visitas deixassem a sua impressão pessoal acerca do conteúdo da letra deste poema. Combinado?


Ai Senhor das Furnas
Que escuro vai dentro de nós,
Rezar o terço ao fim da tarde,
Só pr'a espantar a solidão,
E rogar a Deus que nos guarde,
Confiar-lhe o destino na mão.

Que adianta saber as marés,
Os frutos e as sementeiras,
Tratar por tu os ofícios,
Entender o suão e os animais,
Falar o dialecto da terra,
Conhecer-lhe o corpo pelos sinais.

E do resto entender mal,
Soletrar assinar de cruz,
Não ver os vultos furtivos,
Que nos tramam por trás da luz.

Ai senhor das furnas,
Que escuro vai dentro de nós,
A gente morre logo ao nascer,
Com os olhos rasos de lezíria,
De boca em boca passando o saber,
Com os provérbios que ficam na gíria.

De que nos vale esta pureza,
Sem ler fica-se pederneira,
Agita-se a solidão cá no fundo,
Fica-se sentado à soleira,
A ouvir os ruídos do mundo,
E a entendê-los à nossa maneira.

Carregar a superstição,
De ser pequeno ser ninguém
Mas não quebrar a tradição
Que dos nossos avós já vem.

29 comentários:

*Um Momento* disse...

Essa letra é magnifica
Sehor das furnas...
Gostei particularmene de:
[...]De que nos vale esta pureza,
Sem ler fica-se pederneira,
Agita-se a solidão cá no fundo,
Fica-se sentado à soleira,
A ouvir os ruídos do mundo,
E a entendê-los à nossa maneira.[...]

Beijo e boa 2ª feira (*)

Bartolomeu disse...

Coincidência extraordinária, essa é tambem a parte de que gosto mais.
Acerca do pensamento que estas frases encerram, tens opinião Momentos?

BF disse...

Esta letra para tem em si a pequenez de tempos passados, em que neste cantinho à beira mar plantado, se encobria/ compensava tudo com: "Fátima, Futebol, Fado".

Está latente na letra o engodo em o povo era mantido.
Noto isso, especialmente, nesta parte do refrão (E do resto entender mal,
Soletrar assinar de cruz,
Não ver os vultos furtivos,
Que nos tramam por trás da luz.)

Letra actualíssima!
Pois... acho que andamos todos a ser um tanto ou quanto enganados, e a assinar de cruz!

É a nossa pequenez... desde que se mantenha a tradição secular dos avós...vamos rezando.

Beijos
BF

Bartolomeu disse...

Hummm
Arguto e pretinente o teu olhar acutilante.
:)
Vamos esperar por outras opiniões e no final tentamos fazer um resumo, ok?
:))

Fábula disse...

sempre ouvi dizer que quem não lê é como quem não vê... =)

Bartolomeu disse...

:))))
Boa! Fábula.
Tudo estaria bem, se bastasse ler, para que se "visse" aquilo que muitas vezes nem com lentes de aumentar.
Mas, fica registada a tua "leitura"
um beijo Fabulosa.

Su disse...

eis o povo....a tradição...o "saber que basta" para uma "vidinha"....sem mais.....
o acreditar e repensar simplesmente pq assim é...........

... mas na verdade é bem facil ser assim...........não se dá conta do resto...............

"E do resto entender mal,
Soletrar assinar de cruz,
Não ver os vultos furtivos,
Que nos tramam por trás da luz."




jocas maradas..........

Maria disse...

Não conhecia este tema do Rui Veloso.
Logo no princípio franzi a testa: acho que fui obrigada a rezar muitos terços quando era pequenina, devo ter ficado vacinada....
Quanto ao entender mal e assinar de cruz, faz tempo que o velho morreu, o tal que fechou escolas primárias porque o povo não precisava de saber nada - ele sabia tudo....

É apenas uma opinião - a minha. Pediste-a. Aqui a tens.

sonhadora disse...

As férias chegaram. Parto amanhã. Levo todos no coração. Os meus sonhos só foram possíveis porque acreditaram em mim e deixaram-me sonhar.Obrigada!
Deixo beijinhos embrulhados em abraços

Papoila disse...

Esta letra do Carlos Tê com a voz cristalina da Isabel Silvestre toca no meu blog pela sua actualidade apesar do "choque tecnológico" apregoado.

"Que adianta saber as marés,
Os frutos e as sementeiras,
Tratar por tu os ofícios,
Entender o suão e os animais,
Falar o dialecto da terra,
Conhecer-lhe o corpo pelos sinais.

E do resto entender mal,
Soletrar assinar de cruz,
Não ver os vultos furtivos,
Que nos tramam por trás da luz."

Vim espreitar... Gostei!
Beijos

Bartolomeu disse...

Su... vamos concordar então, que, na essência, o ser humano busca o caminho para atingir a felicidade, o "estado de graça" que lhe permita sintonizar com o universo. E, apesar de várias formulas se lhe apresentarem para que encontre esse caminho, a que verdadeiramente o conduz, é a mais simples e mais natural, aquela que compõe o velhinho ditado popular "da terra vieste, à terra voltarás"...
:)))
É isso Su?

Bartolomeu disse...

Maria, tens razão, de todo o o modo, este poema é uma oração. Uma oração a si mesmo, ou seja, uma oração do homem para o homem, o que nos levará a reflectir... será que o homem e Deus são uma única pessoa?
:))))

Bartolomeu disse...

Olá Sonhadora, os meus desejos de umas optimas férias e de tórridos amores de Verão.
Ah e uns mergulhos para retemperar.
:)))

Bartolomeu disse...

Olá Papoila, sem dúvida que a voz de Isabel Silvestre é maravilhosa, assim como a postura, transparece uma mulher com a fibra e apureza das mulheres que tratam a vida por tu. Saberás certamente que é a voz dela que aparece no tema "Pronúncia do Norte" dos GNR, ao lado do Rui Reininho.
Corre o riao para o norte...
tra la rá lá lá...
:)))

Rosa dos Ventos disse...

Pois Bartolomeu, que escuro vai dentro de nós...
Gosto particularmente de ouvir Isabel Silvestre nesta melodia!
Fico sempre com os olhos mais brilhantes...

Abraço

Bartolomeu disse...

:)
Olá Rosa.
Achas que esse brilho com que ficas no olhar, te reflete a satisfação da alma?

Maria Eduarda disse...

Este poema magnífico, como são todos os poemas de Carlos Tê, fez-me lembrar uma velha amiga (velha porque é minha amiga há muitos anos e velha porque é mesmo velha, a tia Lucinda, que nunca conseguiu aprender a ler e a escrever. E nem foi por falta de meios, mas porque sendo uma pessoa inteligente tem uma qualquer incapacidade para aprender a ler e a escrever. Se tivesse nascido nos dias de hoje, a medicina descobriria com certeza o mal da Lucinda que ficou analfabeta de pai e mãe e com uma tristeza muito grande dentro dela, por isso. Seja como for, a Lucinda escreve para si mesma "uns gatafunhos" como ela diz, que só ela mesmo compreende. E assim vai vivendo, lá pelo Canadá, o resto dos seus dias felizes, porque apesar da tristeza de não ter aprendido a ler a tia Lucinda é uma mulher feliz que faz sorrir os amigos.
Obrigada por publicares este lindo poema, Bartolomeu.

lenor disse...

Olá.

*Um Momento* disse...

Bartolomeu
Desculpa-me...só vir agora
Tenho sim ... algumas
Mas agora vinha dar um beijinho de boa noite
Mas amanhã vou tentar não me esquecer:)))
Noitinha serena
E um beijinho bem aí(*)

Bartolomeu disse...

Sabes Maria Eduarda, conheci um velho homem, em Aldeia de Chão da Velha, concelho de Nisa, chamado João Louro. Tinha 92 anos, era analfabeto, mas sabia ler. Ou seja, não sabia ler, mas lia. Não é nada confuso... eu explico :) O meu amigo João Louro aprendeu a conhecer o "feitio" das palavras, da mesma forma que olhamos para uma árvore e imediatamente dizemos àrvore, ou se olha para um cavalo, ou um cão, ou uma cadeira, ou um prato, ou uma pessoa, ou para o sol, ou para um monte, ou para a chuva e lhe conhecemos o nome pela figura, assim o meu amigo João louro, olhava para as palavras que designam os mesmos e as "lia" pela forma.
Neste sentido, temos de discordar do Carlos Tê quando ele escreve "De que nos vale esta pureza, sem ler fica-se pederneira", pois aquilo que realmente dita a lucidez e o conhecimento é saber contornar a penúltima frase " Carregar a superstição de ser pequeno ser ninguem" e culminar com a última...Mas não quebrar a tradição, que dos nossos avós já vem. E a tradição é, nem mais nem menos que a terra, essa ancestral matriarca.
:))**

Bartolomeu disse...

Olá Leozinha!
Ora bem, senta aqui ao meu lado.
Se bem te conheço, esse teu "olá" tem o gostinho de um puxão de orelhas didáctico, assim como quem diz: Vês? é assim que as pessoas educadas fazem, quando visitam alguém, no mínimo colocam um cartão de visita por baixo da porta.
É obvio que te vou deixar no suspense se entendi a mensagem, ou simplesmente estou a fazer vista-grossa.
Hummm? Achas que entendi? Não faria tanta confiança assim, sabes? ha gente que não aprende nunca, têm um bloqueio qualquer que as obriga a manifestarem-se, só quando tÊm algo para dizer...
feitios...

Bartolomeu disse...

Fico tchi aguardando Momentos, estou desejando conhecer sua opinião acerca do conteúdo daquela letrinha.
:))))

Pinho Cardão disse...

Excelente poema,excelente cantora e excelente gosto o seu, caro Bartolomeu!...

Bartolomeu disse...

É verdade caro Pinho Cardão, Isabel Silvestre, é efectivamente um "monumento" vocal e etnográfico. Para além da beleza natural que irradia, um verdadeiro ícone da genuina mulher portuguesa nortenha.

winkle disse...

vamos ver se desta consigo deixar o meu comment (a minha net anda um bocado em baixo)
eu adoro Rui Veloso.. e sem dúvida esta é uma daquelas musicas com bastante significado..principalmente no nosso país.
um país em que parte do povo vive ainda na escuridão.. e em que muitos são iluminados por uma pequena luz!
no entanto, à nova geração, apesar de todos os conhecimentos que têm falta-lhe conhecer "os segredos" do dialecto da terra que os nossos avós conheciam tão bem...ou simplesmente ter um tempinho para "ouvir os ruidos do mundo"

bj

Bartolomeu disse...

Olá Wink
Felizmente que, uma franja considerável de gente nova, começa ser sensível à temática do reencontro de si mesmo, utilizando a interacção com o meio natural de que dependemos. tens razão Wink, este poema do Carlos Tê roça o esotérico, consegue ser um misto de mistério e de telúrico, receita muito bem conseguida.
Beijos Wink, bons mergulhos.

Fornense disse...

conheci ontem esta musica, esta letra. ha gente que tem o dom da palavra sem duvida. fantastico.

Cristina Seabra Ferreira disse...

quando escuto esta canção pela voz de Isabel Silvestre emociono-me até às lágrimas- acho incrível como o Rui Veloso e o Carlos Tê conseguiram captar tão bem na poesia e letra a alma de um povo que é o meu :-)
um abraço

Bartolomeu disse...

Olá Cristina!
Não sei também se consigo contabilizar o número de vezes que já escutei esta canção.
Acho até que às coisas que nos dão realmente prazer, não atribuímos contagem. Ao passo que as outras, sabemos sempre quantas foram.
Ha dias, assisti a uma pequena entrevista a Isabel Silvestre a dama de Manhouce, encontrei-a como sempre, imagem e postura da mulher Celta.