quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

"VIRTVTIBVS MAIORVM"

... desci ao Martim Moniz, estacionei novamente o carro e saí.




Deste largo imenso, a que foi dado o nome do cavaleiro que valorosamente sacrificou a vida, atravessando o corpo na porta do castelo de S. Jorge, permitindo assim, aos guerreiros de D. Afonso Henriques conquistar o castelo, posso avistar a muralha poente, encimando a encosta por onde se estende o casario que compõe o bairro da Mouraria. Em meu redor, para além dos tapumes que tentam resguardar dos olhares, umas obras, vejo sujidade, noto o ar impregnado de cheiro a urina e uma profusão de gente originária de outros países. Os trajes que envergam e as fisionomias, identificam-nos como sendo oriundos de países asiáticos e africanos. Lugares onde o meu amigo Portugal levou a língua de Camões, a religião Cristã, a pólvora, a alfabetização, com quem comerciou, a quem explorou e escravisou, mas onde deixou cultura e obra.




Decido então, dirigir-me a pé até um largo próximo, a Praça da Figueira.




Aqui, neste largo, em cujo centro me detenho, admirando a estátua equestre de D. João I O "De Boa Memória", primeiro da dinastia de Aviz, primeiro na expansão marítima; a diáspora que levou o meu Amigo à descoberta do Mundo, tranportado pelas asas do vento e do sonho, sinto que é escusado perguntar por Portugal, decerto já ninguem se recorda dele.




Desço a rua da Prata, até ao Terreiro do Paço. Vou em frente, olho o Cais das Colunas, o Tejo... não; nem sinais do meu Amigo. Volto-me e retomo o caminho, passando pelo centro da Praça. Paro junto à estátua equestre do Rei D. José I. Esta estátua, este Rei, não me dizem nada, ou então... dizem pouquíssimo. Sinto-me desanimado e decido regressar, escolho a Rua Augusta, mas, assim que dou os primeiros passos, encandeio-me com uma estranha luminosidade. Coloco a mão em pala sobre os olhos e percebo que o sol, batendo de chapa no mármore do Arco, ao início da Rua, reflecte com imensa intensidade. Paro. Olho com redobrada atenção para aquele conjunto arquitectónico e escultural, após fitar, uma a uma, as estátuas crípticas que o encimam e representam a Glória, coroando o Génio e o Valor, detenho-me na frase inscrita em latim «VIRTVTIBVS MAIORVM VT SIT OMNIBVS DOCVMENTO.PPD», “Às Virtudes dos Maiores, para que sirva a todos de ensinamento. Dedicado a expensas públicas”.




Bateu-me fundo esta frase e o seu significado, transportando-me directamente para um tempo e um espaço já esquecidos, o tempo em que o meu Amigo Portugal alcançou a Glória, sendo Genial e Valoroso. Mas para que nunca o possamos esquecer, a frase termina como um pai quando fala para os seus filhos: "para que sirva a todos de ensinamento".




Bom, segui depois viágem, sempre com a imagem do Arco da Rua Augusta, bem presente na minha memória...

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Cada Terra com seu uso, cada roca com seu fuso I

Não sei se levado pelo espírito melancólico do Natal, se pelo espírito do fado, materializado na saudade, destinei os três dias passados a procurar um amigo de longa data de quem tenho recebido, através de terceiros, notícias espaçadas e em nada coincidentes.


Dizem-me uns, que se encontra bastante doente, que os médicos lhe diagnosticam um conjunto de males, para os quais a ciência não conhece ainda a cura. Dizem-me outros, que não... que já o viram por aí a caminhar todo desempenado e sorridente. Outros, confirmam, mas que lhes parece que não passa tudo de fachada, que ele está realmente bastante doente.


Então, decidi: vou tirar uns dias para procurar o meu querido e já velho Portugal.


E assim fiz, saí bem cedo e comecei um périplo pelos locais onde achei que poderia encontra-lo mais facilmente. Devido à proximidade, comecei a procurar o meu velho amigo na capital. Percorri os bairros típicos da cidade, os locais onde ele se deliciava com o típico linguajar das varinas, com os pregões, as zaragatas, os ditos e dichotes, da azáfama laboriosa de gente pobre, mas muito ciente do sentido gregário e do poder que ele lhes oferece, protegendo-os dos grandes males. Não o encontrei. Os únicos sinais de que por ali já passara, reconheci-os somente, nos escassos vasos de "sardinheiras", pendentes de algumas águas-furtadas, onde assomavam rostos sulcados profundamente por gelhas que mais pareciam sulcos de arado em terra seca.


Uma delas encarrapichada no altar de onde observa o lento passar do tempo, quando me viu de nariz no ar e de olho perscrutante, atirou-me lá de cima; ó senhor... anda à procura de alguém?


Sorri-me e respondi que sim, que procuro o meu Amigo Portugal, talvez ela me soubesse dar alguma indicação útil...


Ficou parada sem me dar resposta, mediu-me, avaliou-me com os seus olhos piscos mas atentos e, passados uns longos momentos, como que regressando de um estado hipnótico, repetiu; Portugal...? Tenho uma ideia, sim senhor, mas... já foi muito tempo... já lá vão muitos anos...


-Mas, a Senhora não faz ideia se ele ainda por aí anda?


Voltou a fazer nova medição da minha pessoa, demorada, como que... desconfiada, e por fim, soltando de mim o olhar e colocando-o lá longe, talvez na margem de lá do Tejo, ou ainda mais distante, desabafou num murmúrio; Hannn... por aqui?! Nem por aqui, nem por ali, nem por parte nenhuma... quem é que sabe o que é feito dele... por onde anda...


Agradeci a informação, notei que não desprendeu o olhar do infinito em que o havia colocado e despedi-me.


Enquanto descia as vielas estreitas do bairro, dirigindo-me para o carro, pensava; tenho de tentar noutros locais, é impossível que o meu Amigo se tenha volatilizado, hei-de encontra-lo em algum lugar... quem sabe fora das grandes cidades...


Quando entrei no carro, pensei: vou rumar ao Sul, o Portugal gostava imenso das planícies Alentejanas e das praias do Algarve, estou certo de que irei encontra-lo...


(continuará)

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Natal!

Hoje, preparamo-nos para festejar um novo Natal.
Na tradição Cristã, comemora-se no dia 25 deste mês de Dezembro, a Natividade de Jesus Cristo. No entanto, Natal, tal como muitos poetas o cantaram já, é Universal, na medida em que designa o dia, o país, ou o local do nascimento de alguém e, abrange-nos a todos, sem excepção.
Hoje, sentimos angustiados, que à nossa volta, são poucos os sinais capazes de nos motivar a festejar com alegria, o dia do nascimento daquele que foi designado pela religião Cristã, como O Salvador.
A tristeza pelo sofrimento de tantos, cada dia mais, que neste Natal não irão ter um lar, onde, reunidos, aconchegados no calor da amizade e da família, possam cear e trocar presentes entre si, possam sequer desejar-se felicidade; é enorme.
Mesmo que a solideriedade, que nestes tempos tem marcado positivamente lugar na nossa sociedade, minimize de certa forma o sofrimento de tantos a quem falta o comer e o agasalho, e para quem, a desesperança e a incerteza do futuro, são imensas.
A este propósito, recordo-me do poema de António Aleixo, intitulado; "Os Vendilhões do Templo"
Deus disse:faz todo o bem
Neste mundo, e, se puderes,
Acode a toda a desgraça
E não faças a ninguém
Aquilo que tu não queres
Que, por mal, alguém te faça.

Fazer bem não é só dar
Pão aos que dele carecem
E à caridade o imploram,
É também aliviar
As mágoas dos que padecem,
Dos que sofrem, dos que choram.

E o mundo só pode ser
Menos mau, menos atroz,
Se conseguirmos fazer
Mais p'los outros que por nós.

Quem desmente, por exemplo,
Tudo o que Cristo ensinou.
São os vendilhões do templo
Que do templo ele expulsou.

E o povo nada conhece...
Obedece ao seu vigário,
Porque julga que obedece
A Cristo - o bom doutrinário.

Nunca como agora, nos achámos tão cercados por vendilhões do templo.
É urgente que tomemos consciência da realidade, das dificuldades, das necessidades mais prementes e saibamos reunir e utilizar as ferramentas de que dispomos, para mudar e vencer essas dificuldades. E, as ferramentas de que dispomos, são, tal como António Aleixo no seu poema nos aponta, «conseguir fazer mais pelos outros, que por nós». Não é fácil... mas é o caminho!
Desejo a todos que visitam o "Avançando" e também a quem não teve ainda esse privilégio [ ;) ] um Natal aconchegado, repleto de amizade, solideriedade e vontade de ajudar a melhorar este mundo de todos nós!