sábado, 15 de junho de 2013

Desisto!

Perguntou-me: Então, como vai ser...
Pensei: Seja como for, vai ser. Mesmo que não chegue a ser, será.
Respondi-lhe: Vai ser. Tenho a certeza que será.
Continuou a tirar a roupa e repetiu a pergunta, acrescentando; não te despes?
Respondi-lhe: Nem pensar, tenho frio.
-Mas vestido, não vai dar.
(não vai dar? nesse caso terei de pagar..)
Desisto!

domingo, 26 de maio de 2013

Por acaso...


Na passada sexta-feira, apontei aqui uma pequena reflexão que me surgiu, vinda daquele lugar enigmático que sabemos possuir, mas que não sabemos onde se localiza. No sábado, ontem, portanto, poisou na ramada de uma enorme alfazema que tenho no meu jardim, um enxame de abelhas obreiras. Primeiro, fizeram um voo circular de reconhecimento e logo em seguida poisaram no ramo escolhido, o qual vergou bastante devido ao peso do enorme cacho formado pelas "bichinhas".
Já no ano passado havia sucedido o mesmo, também por esta altura do ano.
Como não percebo nada de abelhas - limito-me a doçar o café da manhã com uma colher de sobremesa do precioso ouro que elas fabricam - telefonei a um vizinho que possui colmeias e dei-lhe a notícia do sucedido. Respondeu-me que iria busca-las, mas só mais para o fim do dia, quando elas ficam mais calmas.
Esperei que viesse à noite, mas afinal chegou ainda de dia, trazendo na mão um simples saco de sisal idêntico aos que utiliza para ensacar batatas.
Olhei para ele e para o saco e perguntei-lhe: Então sô Manel, é com isso que vai apanhar o enxame?
-É quanto basta.
Não posso perder essa "Operação delicada" pensei com os meus botões.
Então sô Manel chegou ao pé do ramo da alfazema, olhou cuidadosamente, abriu a boca do saco, colocou por baixo e pediu-me uma tesoura de podar, para cortar o ramo onde as abelhas se haviam instalado. Fui procurar uma tesoura e quando lha estendi, diz-me ele: corta tu aí o ramo.
-Corto o ramo? Essa é boa. Se cortar o ramo, elas atiram-se todas a mim.
-Não atiram nada, podes cortar à vontade, que nem uma te morde.
-Ó sô Manel, você está a querer que eu fique todo picado, ou quê?
-Já te disse, podes cortar à vontade, estas abelhas são obreiras, são mansinhas como a terra, não te fazem mal nenhum.
-Bom, olhe, eu vou cortar, mas se elas me ferrarem, você está tramado comigo.
-Podes cortar à confiança. As abelhas sabem que não lhes vais fazer mal, que é para bem delas.
-Ah sim. São espertas, as raparigas!
E lá me decidi cortar o ramo, que caiu para dentro do saco levando consigo o "grosso do enxame".
Depois, verifiquei com espanto que o sô Manel, em lugar de fechar o saco, por forma a aprisionar o enxame, não senhor, deixou-o aberto e bem encostadinho ao pé da alfazema. Entretanto, algumas abelhas entravam e saiam do saco para verificar se podiam preparar-se para uma noite de sono descansado.
Depois disto, o sô Manel erguendo-se declarou: agora deixa estar aqui o saco quietinho que quando fôr noite venho-o buscar e amanhã meto-as dentro de uma colmeia com um bocadinho de mel à porta para elas se habituarem.
- Está bem, venha quando quiser. Depois vou lá visitar as minhas amigas.
-Podes ir quando quiseres.
E lá foi, encosta abaixo.
Hoje ao levantar-me, a primeira coisa que fiz, foi chegar à janela e verificar se o saco das abelhas ainda se encontrava encostado à alfazema. Já não. Pelo que imagino, já estarão na sua nova casa e mais logo irei visita-las.
Entretanto, enquanto tomava o pequeno almoço na cozinha, olhando os campos em redor e recordando-me das palavras do sô Manel, pensava: que bom seria se possuísemos a capacaidade intuitiva das abelhas e soubessemos em que mãos deveríamos enterrar o ferrão, quando nos querem cortar o ramo que nos suporta e enfiar-nos dentro de um saco negro e tão profundo, que nunca mais iremos ter a chance de poder sair dele e voltar à produzir ouro, o ouro que nos mantém e que mantém o enxame saudável e activo.

sexta-feira, 24 de maio de 2013

À quanto tempo...

Enquanto esperava que o nº da minha senha aparecesse no monitor da repartição de finanças, ouvi ao meu lado uma voz chamar: Bartolomeu?!


Olhei para o lado, reconheci os traços fisionómicos, lembrei-me que pertenciam a alguém de quem já me não lembrava o nome.

Sim. Respondi.

-Não te lembras de mim?

-Lembro-me da embalagem, mas não do rótulo, respondi.

-Sorriu e aliviou o preconceito: sempre o mesmo brincalhão.

-Sou o Álvaro, não te lembras?!

-Ah, agora sim, recordo-me perfeitamente.

Entretanto fez sinal a uma dama que se achava sentada, a qual imediatamente se juntou a nós.

-Então como estás?

-Há tanto tempo que não nos víamos...

Mentalmente, apeteceu-me pedir desculpa pela falta, mas logo em seguida, considerei que afinal, se ela existia, deveria ser repartida pelos 3, o que se torna numa operação difícil, contudo, decidi concordar acertando-lhe com um "chavão".

-É verdade, há já muito tempo, as vidas levam-nos por caminhos que nos afastam, as obrigações também...

-Tens razão, é isso mesmo, responderam-me. Olha, nós já estivemos a viver no Porto, depois em Viseu e em Évora, há poucos anos é que regressámos a Lisboa, mas agora é definitivo... esta vida de tribunais é assim.

-Pois... concordei, como se por ventura supusesse como raio é a vida de 2 juízes...

-Olha lá, que idade tens, perguntou-me ele, mais à vontade para o fazer.

-Tenho a mesma que tu.

Franziu uma sobrancelha e ergueu a outra, como se estivesse a avaliar o depoimento do réu atirou-me:

-Não, a mesma não tens, eu sou mais velho, não é muita a diferença, mas sei que tenho mais uns anitos.

Ela, aconchegando a sentença dele e arvorando um sorriso maroto, arriscou com alguma hesitação:

-Deves estar mais ou menos nos cinquenta...

-Enganas-te, respondi-lhe. Se queres saber, estou mais ou menos nos 12.000.

Riram-se ambos com gosto. Ele tentando parece perspicaz, devolveu-me:

-Então quando disseste que tens a minha idade estavas a chamar-me dinossauro.

Não, nada disso, esses são anteriores a nós.

Nesta altura, olharam um para o outro e nesse olhar pude divisar claramente o que ambos pensavam: Mais um que se "passou" com todas estas crises e problemas sociais e político e o diabo a sete.

Ela, então, muito diplomaticamente, declarou:

-Olhem, vocês desculpem mas vou ter me sentar um pouco, as minhas pernas já não suportam estar muito tempo em pé, parada.

Ele, um tanto desengonçadamente, manteve-se ao meu lado, rebuscando na mente um tema de conversa para justificar a permanência.

-Mas desculpa lá insistir, tu não és mais novo que eu? É que, eu lembro-me de estar no fim do curso e tu ainda não tinhas entrado na faculdade.

-Sim, é verdade. E não cheguei a entrar.

-Pois, agora me lembro, não chegaste a entrar. Andaste durante um tempo por fora, ninguém te via e eu a estagiar...

-Exactamente!

-Então vês?! Sou mais velho que tu pelo menos uns 5 ou 6 anos.

-Ok, se preferes assim, por mim, não tenho nada a objectar.

-Olha lá, tu estar a gozar com a minha cara, certo?

-Porque dizes isso?

-Então estás a dizer que temos ambos 12.000 anos!

-E é verdade, se confiarmos nos resultados das observações feitas por cientistas ao esqueleto humano fossilizado, mais antigo do mundo, é essa idade que temos.

-Ó pá, lá estás tu. Agora vens-me falar de fósseis?

-Então, não foste tu que perguntaste a minha idade?

-Bom, desculpa mas é difícil manter uma conversa sensata contigo. Olha, gostei de te ver, mas vou sentar-me ao lado da minha mulher, está um lugar vago.

-Vai sim Álvaro, e dá cumprimentos meus à Ana.

-À Ana?! À Luisa, queres dizer...

-Luisa ou Ana é indiferente, do mesmo modo que ter 12.000 ou cinquenta e tal.

Virou as costas e dirigiu-se para junto da mulher, mas se a audição não me engana, pelo caminho ainda disse um Chica! entredentes.

A abelha...

Quando amamos a abelha que produz o mel, podemos toca-la com um beijo!

terça-feira, 21 de maio de 2013

Pensamentos avulso.

À dias, sentado lá no meu alto olhando o mundo em redor, deixei os pensamentos soltar-se, voar em liberdade, brincar com as imágens, monta-las desmonta-las, enche-las com as palavras que foram ditas, os momentos que foram vividos, as alegrias, as emoções... as tristezas.
Estivemos naquela "marmelada" mais de um par de horas.
Depois ergui-me, recolhi-os como pastor que recolhe o rebanho, e regressei a casa escolhendo o carreiro mais longo, entre os tufos de giesta, contornando os pinheiros e eucaliptos, enchendo os pulmões em pleno, daqueles ares, sentindo o vigor da natureza, e a serenidade do ambiente.
Enquanto caminhava, visitou-me um pensamento: somos naturalmente possuídores de duas máquinas do tempo; uma, a memória, permite-nos viajar ao passado, revê-lo, revive-lo e voltar a saborea-lo. A outra, os sonhos, permite-nos viajar ao futuro.
Assim, no regresso, achamo-nos mais aptos e confiantes para construir o presente.

sábado, 18 de maio de 2013

Chove

Chove uma chuva, miudinha
E tu, gelada e franzininha
Estendes a mão, magrinha
A quem passa por ali, tão sozinha.

Tão pequena e já tão sofredora
Mas forte, sobre as pernas finas de tesoura
Que sustentam a amargura devoradora
De um destino feroz e sem tutora.

Não choras, nem foges pelo caminho,
Que os astros misturaram no cadinho
Sem que à massa juntem algum carinho
O calor de um abraço, ou um beijinho.

É essa a vida que tu levas...
E que quase em segredo, guardas
Sob as dores que te ferem como espadas
Nos cartões onde dormes, nas arcadas.

Sonhas com a luz ténue do Sol, ao acordar
Mas é a chuva miudinha que te vai beijar
E a fome, sempre pronta para te recordar,
Que nasce mais um dia de penar.

Chove, chove sempre para ti!
E a cor do teu dia, é sempre igual.
No vale profundo onde habitas,
O destino fora do mundo, de ti se ri!
Todos te olham sem te ver, é banal.
Enquanto por dentro, morres e gritas.

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Dia de sol

Ondeia a erva verde em redor, como um mar.
Fá-la a força do vento, ondear.
Aqui e ali polvilha-se de flores brancas, amarelas e lilás.
E eu, despregar delas os meus olhos, não sou capaz.

Foram as bastantes chuvas e últimos sois
E foi a acção concertada dos dois
E foi a terra e foi o ar
Que lhes deram toda a força e todo o amor que há para dar.

Erva viçosa, brilhante, bem vivaz
Encanta-me, faz-me sentir ainda rapaz.
Convida-me insistentemente a rebolar,
A correr a rir e a saltar.

E penso, cismo e reflicto
Num único, importante e simples acto.
O de o Homem querer evoluir
Deixando o melhor, dele, fugir.

terça-feira, 12 de março de 2013

Do nevoeiro que nos traga...

Pode causar-nos arrepios, ver um homem emergir do nevoeiro.
Constrange-nos, ver um homem imergir no nevoeiro e não termos o poder de "o" dissipar.

segunda-feira, 11 de março de 2013

tabuADA



Uma vêz um... hummm?
Não nos dá jeito algum.
Já basta o cinco contra um.
Quando estamos em jejum.

Uma vêz dois, conheceram-se.
Ele levou-a a jantar.
Beijaram-se ao luar,
E a meio da noite, comeram-se.

Uma vêz três, pegaram-se à porrada.
Foi por uma triste coincidência,
Andarem com a mesma namorada,
Numa total indecência.

Uma vêz quatro, seis.
Se lhe juntarmos mais dois.
Mas esta é uma das leis,
Que transforma os homens, em bois.

Uma vêz cinco, formigas,
Construiram um formigueiro.
Mas não foram em cantigas.
Nem chamaram o carreiro.

Uma vêz seis, viu o sete.
E apaixonou-se por ele.
A seis, chamava-se Odete.
O sete, chamava-se Manele

Uma vêz sete, meninas,
Filhas de boas famílias
Abriram demais as perninhas.
Inflamaram-se-lhes as virilhas.

Uma vêz oito, cinco.
Se lhe tirarmos os três.
Mas com isto, eu não brinco.
Já me tramei uma vêz.

Uma vêz nove, cabrões
Vieram para me assaltar
A um, pontapeei-lhe os colhões,
Dos outros, pus-me a cavar.

domingo, 10 de março de 2013

Nada

Como bom seria: de tudo, saber nada, e de nada querer saber.
Acordar todos os dias, com a luz do Sol ao nascer.
Beber a àgua das fontes, colher os frutos das árvores,
Correr por vales e montes, alimentar-me de amores.
E de tudo não saber nada, por nada de tudo me bastar.
E por  nada me saciar, e nada já possuir, nada desejar ter.

domingo, 27 de janeiro de 2013

Verbo dar

Dá-me os teus lábios, para eu beijar.
Os teus seios, para eu chupar.
O teu corpo, para nele navegar.
O teu sexo, para eu te amar.

Mas não me dês a tua alma.
Nem sequer o teu coração.
Leva-me para a tua cama.
Acalma-me esta paixão.

E eu, nada te darei.
Só beijos e o meu suor.
Porque de mim já não sei.
De mim já não sou Senhor.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

E eu sei lá?!

Apoquenta-me há algum tempo, uma dúvida que penso enquadrar-se simultâneamente, num contexto existencial e profissional.
É uma dúvida para a qual não encontro uma explicação ou uma justificação que me pareçam minimamente razoáveis.
Sou, desde a idade dos 17 anos, empregado do Estado. Vulgo, Funcionário Público.
Quando iniciei as funções no Estado, existia a preocupação ética e moral   de aproveitar com seriedade e sentido da "coisa pública" os dinheiros do Orçamento do Estado.
Neste propósito, todo o dinheiro que era gasto pelos diferentes serviços públicos, destinava-se ou tinha como objectivo, acrescentar maisvalias directas ou indirectas para a sociedade. Existia nessa época, a noção precisa de que, o dinheiro utilizado pelos serviços do Estado, não aparecia debaixo das pedras, mas sim, nascia dos impostos pagos por todos, deduzido ao esforço do seu trabalho.
Hoje, por mais voltas que dê à imaginação e ao raciocínio, acho-me cada vez mais, parte de uma máquina diabolicamente gastadora desses mesmos recursos que, actualmente são mais escassos, dia para dia.
Na tentativa de encontrar um fio condutor que me pudesse ajudar a compreender minimamente, ou em último caso, aceitar a situação que dá origem às dúvidas que referi, decidi contactar uma profissional do sexo.
Procurei anúncios e liguei.
No primeiro contacto fui atendido por uma jovem com sotaque brasileiro; voz amável e atenciosa.
Perguntei-lhe se era profissional do sexo.
Respondeu-me que sim, que fazia tudo sem tabus.
Esta resposta transmitiu-me alguma confiança e fez-me sentir até um início de cumplicidade.
Em seguida perguntei-lhe há quanto tempo desempenhava a profissão.
Depois de uma breve pausa, respondeu-me também com uma pergunta: Que me interessava saber há quanto tempo?!
Respondi-lhe: Bom, se você é uma profissional, tem uma carreira, um percurso que corresponderá a um determinado período de tempo, durante esse tempo, adquiriu certamente experiência, "know how", "Skills".
Nesta altura, não querendo mostrar-me antipático e tendo notado uma certa relutância da parte da minha interlocutora, na resposta, acrescentei: esteja à vontade, não se sinta inibida; olhe, vou confessar-lhe, desde o início da nossa conversa que comecei a sentir alguma empatia consigo. Sabe, no decorrer da minha carreira profissional, notei diferenças em várias ocasiões. Notei que com o passar do tempo ganhei mais confiança em mim próprio e até, que essa confiança e a certeza de não errar que ela me conferia, levaram-me a ultrapassar alguns limites que a própria profissão impõe, abrindo espaço para algum arrojo e criação de novos métodos, os quais eram muito apreciados pelos meus superiores. Acho que até certo ponto, ajudei a criar novas perspectivas e novos métodos que vieram a revelar-se úteis para o meu trabalho e para o trabalho dos meus colegas.
Como durante o tempo em que desenvolvi este discurso, a minha interlocutora se manteve silenciosa, perguntei: está lá?
Após mais alguns momentos de silêncio, ouvi de novo a sua voz: - Olha cara, me fala uma coisa: você também é puta como eu?!

sábado, 12 de janeiro de 2013

Pequenos gigantes

Como é que sendo nós seres tão frágeis e dependentes, susceptíveis a sofrer os maiores males e as maiores dores a cada momento; incapazes de os prever, antecipar e alterar, sucumbir sob o seu efeito; num momento, crescemos, agigantamo-nos e concebemos obras grandiosas, praticamos feitos impensáveis, que julgávamos impossíveis de realizar conquistamos espaços inatingíveis e ultrapassamos metas inalcançáveis?!
Será que ultimamente, o Espírito Santo se tem "esquecido" um pouco de nós?
Ou, por ventura, somos hoje menos merecedores de receber a graça de um simples e leve roçagar da asa da pomba branca sobre as nossas cabeças?!

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Homens-de-Olhar-o-Mundo

Certos Homens olham o mundo como se dele fossem únicos senhores.
Outros, olham-no com reverência, emocionando-se com a sua dimensão e a forma perfeita como o acham construído.
Alguns, olham-no com profundidade, tentando entender no mais ínfimo pormenor o significado para a sua própria existência.
Muitos, olham-no pensando na forma de o tornar mais perfeito ainda, mais equilibrado e abrangente.
Porém, todos habitam nele!

Isto e Aquilo

Não é aquilo que eu penso mas, o que ela sabe.
Não é aquilo que eu digo mas, o que ela imagina.
Não é aquilo que eu quero mas, o que ela faz.
Não são os meus desejos mas, os seus sonhos.
Eu sou um sol emergente, ela, uma lua transparente e fugidia.
Esta noite, envolto em véus do sonho fui, como um astro perdido no firmamento. Visitei lugares que nunca vira, onde nunca estive antes.
Por fim, sem desejos nem tormentos, abandonei-me numa praia de veludos e esperei que a lua se escondesse no final dos céus. Acordei quando um tímido sol se levantou de Oriente, e pintou meu corpo nú, de oiro.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Do frio à calentura...

Há na vida quem escreva, como vento que varre a serrania; e sinta, como onda que se espraia no areal.
Há-os que escrevem, tentando exorcizar os tormentos que lhes apertam a alma e lhes provocam  tontura, causada pelo espartilho, que é a condição de mortal que os sujeita.
Outros, buscam na escrita, a chave que abrirá a porta da imensidão, do caminho para o nada, do bálsamo para a existência.

De Rosália de Castro:

Son los corazones de algunas criaturas
Como los caminos muy transitados,
Donde las pisadas de los que ahora chegan
Borran las pisadas de los que pasaron:

No será posible que dejeis en ellos,
De vostro carino, recuerdo ni rastro.

;)

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Momentos encantatórios

Acontecem momentos nas vidas de todos nós que nos causam sensações estranhas , momentos quase mágicos de tão exuberantemente belos que se nos apresentam.
Um raio de sol que atravessa a ramagem do arvoredo, quando percorremos calmamente um trilho de um bosque. O chilrear alegre da passarada que saltita irrequieta de ramo em ramo, transportando para o ninho o alimento necessário às crias. O murmurar constante das águas de um ribeiro que ora se espreguiçam cristalinas sobre os seixos do leito, ora se precipitam estrepitosamente entre rochedos. O riso de uma criança que brinca alegremente com uma bola, ou, curiosa, tenta tocar as asas coloridas de uma borboleta poisada sobre uma flor. A palavra; a palavra  franca e fraterna que nos é dirigida e nos faz reconhecer a amizade em quem nos a dirige.
E pensamos; perguntamos inúmeras vezes de nós para nós: de onde vêm os motivos que assim tornam esses momentos, onde se criam, e que caminhos percorrem até que toquem em nós, porque não se desviaram, porque não foram noutros sentidos e atingiram outros alvos?
Penso e reflicto: tudo nos vem da capacidade de amar, de ver o mundo no seu todo, e de quando conseguimos fazê-lo, à transparência de nós próprios.

domingo, 6 de janeiro de 2013

Das pedras...

Gosto imenso de pedras.
Lembro-me  de em criança, sempre que ia a uma praia onde na maré baixa ficavam a descoberto pedras de diferentes cores e formatos, ser invadido por um fascínio imenso, que me levava a desejar apanhar e levar para casa todos aqueles "pedaços de mundo".
Cheguei a levar alguns, muito a contragosto dos meus pais, que não queriam a casa cheia de pedras, vencia a minha insistência, ajudada pela verdadeira beleza com que as várias cores e formatos das pedras, nos regalavam o olhar.
Sempre que algum familiar nos visitava, ou a algum colega da escola  era permitido que entrasse, corria imediatamente a mostrar, orgulhoso, as minhas belas pedras.
Mais tarde, quando li pela primeira vez o "poema do Menino Jesus" de Alberto Caeiro, ao chegar à quadra:
«Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas
No degrau da porta de casa,
Graves como convém a um Deus e a um poeta,
E como se cada pedra
Fosse todo o universo
E fosse por isso um grande perigo para ela
Deixá-la cair no chão.»
compreendi o que realmente me fascinava nas "minhas" pedras e porque lhes dedicava tantos cuidados, evitando que caíssem no chão.
Desde esse dia, compreendi que cada pedra, tal como cada ser Humano, comporta em si, todo o Universo, por isso, merecem que as admiremos, que as conservemos e lhes dediquemos todo o nosso carinho.

sábado, 5 de janeiro de 2013

D. Pureza; a padeira.

Se me lembro bem da Dona Pureza?!
Vinha de Seia a pé. Transportava à cabeça um cesto enorme de verga repleto de pão-trigo fresco, cozido de madrugada, muito bem coberto por um pano alvo.
A Dona Pureza era uma mulher possante. Para além do enorme cesto à cabeça, transportava ainda em cada braço, um cesto de asa. Um deles era destinado à broa de milho, o outro, o da minha preferência e dos outros miúdos, de onde não afastávamos o olhar desde que D. Pureza surgia na estrada ao fundo da aldeia, transportava os bolos. Uns bolos simples, cobertos de açúcar, outros de coco, outros ainda sem cobertura, mas com frutos cristalizados a recheá-los.
A Dona Pureza passava na aldeia duas vezes por semana, já não me recordo em que dias o fazia, mas recordo-me perfeitamente do sabor daquele pão alvo, acabado de cozer e do sabor da "ferradura" que  para meu deleite, a minha avó sempre lhe comprava.
Numa altura em que me achava a passar um período de férias na aldeia, ouvi contar um curioso acontecimento,  envolvendo a Dona Pureza.
Contavam que dias antes, no final da volta,  quando se dirigia a casa, transportando já os cestos vazios, D. Pureza foi abordada por dois meliantes que, apontando-lhe uma navalha enorme, tencionaram roubar-lhe a bolsa de pano  com o produto da venda e o fio de ouro que sempre usava ao pescoço.
A padeira não se amedrontou, àquele que lhe apontava a navalha, desfechou-lhe tamanho pontapé no baixo ventre que o desgraçado ficou sem conseguir falar. Ao outro, que ficara petrificado perante a surpresa da reacção e o efeito da mesma, após poisar os cestos no chão, foi-se a ele e deu-lhe um abraço com tamanha força que lhe quebrou várias costelas.
A partir dali, não voltei a ter notícia de que alguém tivesse tentado  assaltar novamente, a Dona Pureza.
Ficou provado que as mesmas mãos que amassam farinha e cozem o saboroso pão, também conseguiam fazer justiça... uma justiça exemplar!

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

O Construtor de Estórias

Gostava de ser um construtor de estórias.
Na aldeia da Beira Alta, no sopé-norte da Serra da Estrela, onde em criança passava temporadas de férias, conheci muitos contadores de estórias. Os anos de vida que levavam e os acontecimentos que as preenchiam, forneciam-lhes matéria-prima inesgotável para, "cereja-a-cereja", durante as quentes tardes de Verão, até que a fresca brisa do fim de dia lhes permitisse voltar aos campos para os últimos trabalhos, fossem desfiando um rosário de estórias de vida. Vidas duras, sofridas. Vidas pobres de haveres mas ricas de saberes e de quereres.
Lembro-me especialmente de um habitante  da aldeia; o Zé Dias.
Homem solteiro, alegre, maroto e dançarino.
Era o dono de uma das tabernas da aldeia e dono da única bicicleta do povoado.
O Zé Dias, era uma "figura". Fazia somente o que lhe apetecia. Não trabalhava no campo e só abria o estabelecimento ao fim do dia, na hora em que os homens regressavam do campo e entravam para beber vinho e conversar. Ao final da tarde, antes da hora de abertura da tasca, lá aparecia o Zé Dias, de mãos nos bolsos, sorriso sempre aberto, olhos azuis muito vivos, apesar da idade já avançadota. Logo que se acercava dos que já estavam, era instigado a contar uma das suas estórias. E o Zé Dias tinha-as fantásticas. Desde os bailaricos a que ia sem falhar, nas aldeias em redor e noutras mais afastadas, até aos encontros com lobos, durante a noite, pelos caminhos de regresso, aos quais se "safava" sempre "por uma unha negra" e sempre, usando um expediente que, segundo a voz popular, não lembraria, nem ao diabo.
O Zé Dias, era um verdadeiro "construtor de estórias".
Lembro-me de o ter ouvido contar que certa noite, quando regressava de um bailarico numa aldeia a mais de duas dezenas de quilómetros de distância, quando atravessava uma mata, ter visto aparecer-lhe à frente uma mulher toda vestida de branco. Perdeu-se o construtor de estórias em pormenores físicos daquele ser feminino que ali se materializara: que era alta, jovem, bonita, cabelos longos até à cinta, seios volumosos, ancas largas, olhos brilhantes, etc, etc.
Quem o escutava, não ousava proferir uma palavra, reduzindo-se ao espanto, sem despregar os olhos daquela figura irrequieta e quase hipnótica, seguindo com a máxima atenção o desenrolar do relato.
Terminada a descrição do ser que por magia lhe apareceu, o Zé Dias achou por bem suspender a estória que afirmara ser verdadeira.
Era manha do artista.
Usava-a para obter dos ouvintes, rogos intensos para que continuasse, para que contasse o que se passou a seguir.
Então o Zé Dias, depois de se deleitar com os pedidos recebidos, fingindo alguma contrariedade e resignação, volta a pegar no "fio à meada" e sabendo que "tem na mão" os ouvintes, dá asas à imaginação e, com uma mestria inexcedível, entrega-se de corpo e alma à construção de um edifício de uma grandeza e uma arquitectura deslumbrantes.
Conta que a mulher não fala, que só se sorri para ele, mas que ele, sem saber porque artes, consegue ouvir dentro da cabeça, as palavras que a mulher não diz.
Todos exclamam Ahhhhh!!!
Que é verdade, que tal nunca lhe tinha sucedido, nem ouvira contar a ninguém!
Depois, que a mulher o foi acompanhando, pelo carreiro fora, entre os pinheiros, mas que a dada altura, notou que ela não caminhava, que nem sequer tocava os pés no chão.
De novo os ouvintes se espantaram. E de novo o Zé Dias afirmou que era a pura das verdades.
Em seguida, ao chegarem junto a um ribeiro que teria de atravessar, a mulher chegou-se mais junto ao Zé Dias e colocando-lhe o braço em volta do pescoço, abraçou-o e beijou-o.
Os homens que ouviam a estória com a máxima atenção, lamberam os beiços sem notar que o faziam, as mulheres mexeram-se e olharam umas para as outras desconfiadas.
O Zé Dias, fingindo não dar pelas reacções dos circunspectos ouvintes, continua: que durante aquele longo beijo, começou a sentir que estava a ficar sem peso, que os pés se estavam a levantar da terra, que se começou a sentir meio zonzo; nessa altura, um dos ouvintes mais atrevidote, ou mais nervoso, atirou-lhe entre-dentes: isso não seria do vinho ó Zé Dias? Os outros reagiram instantâneamente: XIUUUU!!!
O Zé Dias, fingindo não ouvir o palrador continuou, diminuindo o ritmo do discurso e olhando para o vazio, como se estivesse a ver uma imagem que mais ninguém conseguia ver; que nessa altura, sentiu-se ir pelos ares e quando se achava por cima das águas do ribeiro, a mulher, abraçando-o e beijando-o ainda com mais força, entrou com ele pelas águas dentro.
Ui credo, exorcizaram as mulheres, benzendo-se ao mesmo tempo. Os homens, nem uma palavra, ficaram mudos, olhos no chão, imaginando-se talvez eles mesmo a viver aquela situação.
Uns momentos após saborear em pleno, a reacção que provocara naquelas mentes simples e imensamente supersticiosas, o Zé Dias, volta a enfiar as mãos nos bolsos e declara: bem, agora vou abrir a venda que já se faz tarde.
Nessa altura, o tagarela que já havia antes intervido na estória, como que acordando do sono induzido, dá um passo em direcção ao Zé Dias e coçando a cabeça, pergunta-lhe: Olha lá ó Zé; então e não morreste afogado?
O outro, voltando a cabeça, atira-lhe a rir: morri... morri. Deves pensar que sou parvo; quando vi que íamos cair na água, enchi bem o peito de ar e esperei que ela se afogasse. E assim, lá continuou o Zé Dias, rumo à sua taberna, deixando os seus fieis ouvintes a olhar uns para os outros, meio atordoados.