domingo, 26 de maio de 2013

Por acaso...


Na passada sexta-feira, apontei aqui uma pequena reflexão que me surgiu, vinda daquele lugar enigmático que sabemos possuir, mas que não sabemos onde se localiza. No sábado, ontem, portanto, poisou na ramada de uma enorme alfazema que tenho no meu jardim, um enxame de abelhas obreiras. Primeiro, fizeram um voo circular de reconhecimento e logo em seguida poisaram no ramo escolhido, o qual vergou bastante devido ao peso do enorme cacho formado pelas "bichinhas".
Já no ano passado havia sucedido o mesmo, também por esta altura do ano.
Como não percebo nada de abelhas - limito-me a doçar o café da manhã com uma colher de sobremesa do precioso ouro que elas fabricam - telefonei a um vizinho que possui colmeias e dei-lhe a notícia do sucedido. Respondeu-me que iria busca-las, mas só mais para o fim do dia, quando elas ficam mais calmas.
Esperei que viesse à noite, mas afinal chegou ainda de dia, trazendo na mão um simples saco de sisal idêntico aos que utiliza para ensacar batatas.
Olhei para ele e para o saco e perguntei-lhe: Então sô Manel, é com isso que vai apanhar o enxame?
-É quanto basta.
Não posso perder essa "Operação delicada" pensei com os meus botões.
Então sô Manel chegou ao pé do ramo da alfazema, olhou cuidadosamente, abriu a boca do saco, colocou por baixo e pediu-me uma tesoura de podar, para cortar o ramo onde as abelhas se haviam instalado. Fui procurar uma tesoura e quando lha estendi, diz-me ele: corta tu aí o ramo.
-Corto o ramo? Essa é boa. Se cortar o ramo, elas atiram-se todas a mim.
-Não atiram nada, podes cortar à vontade, que nem uma te morde.
-Ó sô Manel, você está a querer que eu fique todo picado, ou quê?
-Já te disse, podes cortar à vontade, estas abelhas são obreiras, são mansinhas como a terra, não te fazem mal nenhum.
-Bom, olhe, eu vou cortar, mas se elas me ferrarem, você está tramado comigo.
-Podes cortar à confiança. As abelhas sabem que não lhes vais fazer mal, que é para bem delas.
-Ah sim. São espertas, as raparigas!
E lá me decidi cortar o ramo, que caiu para dentro do saco levando consigo o "grosso do enxame".
Depois, verifiquei com espanto que o sô Manel, em lugar de fechar o saco, por forma a aprisionar o enxame, não senhor, deixou-o aberto e bem encostadinho ao pé da alfazema. Entretanto, algumas abelhas entravam e saiam do saco para verificar se podiam preparar-se para uma noite de sono descansado.
Depois disto, o sô Manel erguendo-se declarou: agora deixa estar aqui o saco quietinho que quando fôr noite venho-o buscar e amanhã meto-as dentro de uma colmeia com um bocadinho de mel à porta para elas se habituarem.
- Está bem, venha quando quiser. Depois vou lá visitar as minhas amigas.
-Podes ir quando quiseres.
E lá foi, encosta abaixo.
Hoje ao levantar-me, a primeira coisa que fiz, foi chegar à janela e verificar se o saco das abelhas ainda se encontrava encostado à alfazema. Já não. Pelo que imagino, já estarão na sua nova casa e mais logo irei visita-las.
Entretanto, enquanto tomava o pequeno almoço na cozinha, olhando os campos em redor e recordando-me das palavras do sô Manel, pensava: que bom seria se possuísemos a capacaidade intuitiva das abelhas e soubessemos em que mãos deveríamos enterrar o ferrão, quando nos querem cortar o ramo que nos suporta e enfiar-nos dentro de um saco negro e tão profundo, que nunca mais iremos ter a chance de poder sair dele e voltar à produzir ouro, o ouro que nos mantém e que mantém o enxame saudável e activo.

8 comentários:

jorge esteves disse...

Não sei, não, se seria tão confiante...
Mas falando de abelhas (também podíamos falar de formigas, no mesmo propósito), é verdade, sim, que elas nos dão grandes, importantes e interessantes lições. E o que é de pasmar é que ensinam, ensinam e... são mudas!.
abraço!

Bartolomeu disse...

Lá está Jorge: na maioria das vezes, conta mais o exemplo, quando o tomamos, que mil lições.
Sem ser preciso falar.
;)))

Tété disse...

Olá Bartolomeu!
Vim aqui ao chamamento que tão obreiras bichinhas fazem aos nossos sentimentos e pergunto-me: porque é que seres tão minúsculos e mudos, como diz o Jorge, se entendem tão bem em comunidade, enquanto que o homem, bem maior e a falar pelos cotovelos só tenta desfazer com o seu egoísmo a união da humanidade?
Um dia virá em que os exemplos da natureza servirão para que aprendamos o significado das palavras abnegação e solidariedade.
Um abraço

Bartolomeu disse...

Olá Tété!
Já é mais que tempo de aprendermos algo de proveitoso com os exemplos da natureza, minha amiga.
Mas ao que parece, todos olham com mais atenção para os exemplos da calhandrice e da vigarice.
Esperemos para ver... e aprender para no futuro não metermos àgua.

Cristina Torrão disse...

Éramos bem mais inteligentes, se soubéssemos aprender com os animais e a natureza. Infelizmente, a maior parte de nós é arrogante demais para isso...

Pinho Cardão disse...

Caro Bartolomeu:
Tem sorte em ter vizinhos assim. Porque um apicultor modernaço, licenciado bolonhês, apresentar-se-ia de máscara e fumigador electrónico, luvas à prova de ferrão e fatiota a condizer, cobrava-lhe 50 euros pelo serviço e ainda lhe levava o enxame.
Claro que o meu amigo correria sempre o risco de cortar o ramo.
Assim negócio género eólicas ou scuts socráticas: una ficam com a rentabilidade, outros com o risco.
Estime o vizinho, apaparique-o bem, caro Bartolomeu.
Olhe que pode precisar dele no caso de ferroadas a sério!...

Bartolomeu disse...

Concordo contigo Cristina- arrogância- é realmente uma característica muito frequente entre nós, e porque condiciona, ou impede imenso que se chegue a consensos, é também a que mais urgentemente deveríamos erradicar das nossas relações com os outros. Para isso, seria necessário que aprendessemos a humildade, a igualdade, etc.

Bartolomeu disse...

Tem toda a razão, meu Amigo Pinho Cardão. Tenho a felicidade de ter bons vizinhos, facto que valorizo imenso e de ter Amigos que muito estimo, como é o caso.
No que diz respeito a riscos de negócios; não os corro. Já estou como o "outro" que levou o burro à feira para vender e a meio do caminho o animal lhe fugiu, vendo-o depois pela mão de outro dono, mas disfarçado, para ser vendido. Então o primeiro dono, chegando-se à orelha do animal, segredou-lhe «quem não te conhecer que te compre».
;))