sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Avançando...

Andei pelo Norte, percorri o Parque Nacional do Alvão, designado para a eleição das «sete maravilhas». Parei nas aldeias de xisto, indicadas por uma tabuleta que garante ao visitante, terem beneficiado de um programa comunitário de reabilitação e requalificação. Sentei-me à sombra dos castanheiros ao lado dos naturais e auscultei-os, fui um deles (ou tentei que fosse). São gente resignada, enchem-lhes os olhos, as serranias, os regatos, os lameiros cobertos de milho, o coval e o feijoal. Se lhes pergunto, não sabem nem demonstram interesse em saber quem governa o país, e ainda muito menos ou nada mesmo, o que é a troika, ou o que faz, ou em que medida lhes influência as vivências. Preocupa-os a saúde da vaquinha barrosã, das pitas e os incêndios... esse flagêlo que à noite lhes chega de povoação conhecida, através dos telejornais. Erguem-se com o sol e numa cadência natural e ao ritmo das horas, vão cumprindo as tarefas que têm de ser feitas. Depois, recolhem-se ao mesmo tempo que o sol, ceiam e depois de encomendar a alma ao Criador, estendem-se nos lençois que podem ser a sua mortalha, quando o momento chegar. Vivem ao rítmo da Terra. Escusei-me a perguntar-lhes se esperavam que as "coisas" melhorassem. Não sentem necessidade que assim seja. Aquilo que sentem é que têm uma existência para cumprir e que a duração da mesma não lhes compete decidir. Retorno, e repenso aquilo que me atormenta o espírito; porque não amamos o que é nosso? Porque não o valorizamos? Porque aceitamos que outros, de outros países, nos enviem dinheiro para reerguermos aquilo que os nossos avós construíram? Por acaso estamos tão incapacitados, tão alienados, que não sejamos capazes de criar com os próprios recursos e as vontades próprias, as condições de vida que ansiamos e que temos tudo para alcançar?

12 comentários:

jorge esteves disse...

Talvez porque sempre assim fomos, desavindos do berço, da alma e da terra. Há quantos séculos é assim?...
abraço.

Canto da Boca disse...

Uma boa pergunta, e será que se obterá alguma resposta à altura das gentes portuguesas, Bartolomeu?

Bartolomeu disse...

Há muitos, Jorge,há demasiados, talvez mais de dez, entrecortados por pequenos intervalos em que, guiados por lideres possuidores de uma capacidade de visão para além do tempo, conseguimos sair de nós mesmo, elevarnos e ganhar uma dimensão universal.
O que, há muito não sucede...

Bartolomeu disse...

Todos os dias nos chegam respostas, Canto. Mas nenhuma serve a necessidade de reequilibrio desta sociedade desesperada, quase sem força anímica.
Temo que, todo aquele desenvolvimento social que conhecemos, venha a desmoronar-se e fiquemos indefinidamente estagnados num limbo; num lugar de onde se avista ao longe a esperança, mas de onde não sejamos capazes de reunir a força suficiente para sair...

Olinda Melo disse...


Olá, Bartolomeu

São questões pertinentes e que vão surgindo no nosso espírito na mesma proporção em que se veem os dias a passar e não se vislumbram soluções para problemas de fundo.

As gentes do campo vão vivendo a sua vida com o pouco que têm, com a mesma placidez que a sucessão dos dias e das noites.

Se é isso que nos fará felizes, não sei, depois de provarmos dos avanços da ciência as coisas tornaram-se mais complicadas...

Mas, nunca se sabe.

Abraço

Olinda

Bartolomeu disse...

É verdade, Olinda... e quando surge uma pálida hipotese de solução, aparece de imediato um exército de contra-soluções, que a derruba à nascença.
Por vezes, chego a pensar, que o espírito "tuga" é essencialmente de bota-abaixo e se por ventura algo sai desse eixo e resulta positivamente, é porque se deu uma conjuntura astral, daquelas que ocorre somente de 500 em 500 anos.
;)

Um Jeito Manso disse...

Olá Bartolomeu,

Gostei muito de ler este texto. Gosto muito de ler palavras sobre a terra, sobre regatos, sobre pessoas simples e trabalhadoras.

É que eu também gosto imenso da nossa terra e respeito-a em absoluto bem como os que dela vivem ou os que também a amam e respeitam.

Mas, é verdade: há qualquer coisa na auto-estima dos portugueses que os leva a não valorizarem o que têm.

Estive ontem com um alemão que veio viver para cá por razões profissionais e que está maravilhado com os portugueses, com Portugal, com tudo. Falou com um entusiasmo que eu fiquei a pensar que era bom que os portugueses soubessem dar-se também tanto valor.

Vou reler o texto.

Bartolomeu disse...

Esse é outro fenómeno intrigante, UJM; a capacidade de visão que os estranjeiros possuem, em deterimento da nossa... será que comeram muita cenoura quando eram pequenos? Ou alguém lhes terá ensinado a olhar, a ver e a entender?!

Cristina Torrão disse...

Acho que os portugueses são tímidos, têm medo de incomodar. Essa educação que nos dão, de sermos bons meninos e olharmos mais para o bem dos outros, do que para o nosso, é muito bonita em teoria, mas, na prática, deixa-nos sem iniciativa, com medo de sermos atrevidos. Um pouco de egoísmo, às vezes, também é preciso.

Caracterizaste muito bem os transmontanos :)

E vim aqui também para te deixar um link. Vai lá dar uma olhada:

http://nemsemprealapis.blogspot.de/2012/09/porque-net-fornece-um-longo-novo-dia.html

Bartolomeu disse...

Esse pequeno "retrato" que fazes de nós, povo de Portugal, lembram-me o poema de Carlos T, interpretado pela magnífica vóz de Isabel Silvestre: «De que nos vale esta pureza, sem ler fica-se pederneira, agita-se a solidão cá no fundo, fica-se sentado à soleira, a ouvir os ruídos do mundo e a entendê-los à nossa maneira.»
Queres ouvir?!
;)
http://www.youtube.com/watch?v=4BHdvDYyCVA
E olha, a publicação pelo Fallorca, lá no "O Cheiro dos Livros", do meu comentário; foi uma agradável surpreza e uma merecida homenagem àquele homem extraordinário, o Sr. João Louro.
;)

jorge esteves disse...

'pequenos intervalos'?!...
Ó Bartolomeu, eu que ando já de pestanas queimadas de tanta folha virar, nunca lhe achei um intervalo por mais niquito que seja!... É tudo seguidinho!
És um otpimista, amigo!
abraço.

Bartolomeu disse...

Moro no campo, Jorge. E de agricultura nada percebo.
No entanto, lanço à terra as sementes que espero germinem, e produzam os frutos que tenciono colher.
Porém, nem sempre sucede a satisfação dos meus desejos, facto que atribuo à qualidade da terra, à falta da chuva ou ao excesso do calor, por último... à qualidade das semsntes.
Contudo, não desisto de lançar as sementes à terra e de esperar que todos os contras, um dia, se transformem em prós... será então nessa altura que irei saborear as qualidades de um bom agricultor!
;)))))