terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Cada Terra com seu uso, cada roca com seu fuso I

Não sei se levado pelo espírito melancólico do Natal, se pelo espírito do fado, materializado na saudade, destinei os três dias passados a procurar um amigo de longa data de quem tenho recebido, através de terceiros, notícias espaçadas e em nada coincidentes.


Dizem-me uns, que se encontra bastante doente, que os médicos lhe diagnosticam um conjunto de males, para os quais a ciência não conhece ainda a cura. Dizem-me outros, que não... que já o viram por aí a caminhar todo desempenado e sorridente. Outros, confirmam, mas que lhes parece que não passa tudo de fachada, que ele está realmente bastante doente.


Então, decidi: vou tirar uns dias para procurar o meu querido e já velho Portugal.


E assim fiz, saí bem cedo e comecei um périplo pelos locais onde achei que poderia encontra-lo mais facilmente. Devido à proximidade, comecei a procurar o meu velho amigo na capital. Percorri os bairros típicos da cidade, os locais onde ele se deliciava com o típico linguajar das varinas, com os pregões, as zaragatas, os ditos e dichotes, da azáfama laboriosa de gente pobre, mas muito ciente do sentido gregário e do poder que ele lhes oferece, protegendo-os dos grandes males. Não o encontrei. Os únicos sinais de que por ali já passara, reconheci-os somente, nos escassos vasos de "sardinheiras", pendentes de algumas águas-furtadas, onde assomavam rostos sulcados profundamente por gelhas que mais pareciam sulcos de arado em terra seca.


Uma delas encarrapichada no altar de onde observa o lento passar do tempo, quando me viu de nariz no ar e de olho perscrutante, atirou-me lá de cima; ó senhor... anda à procura de alguém?


Sorri-me e respondi que sim, que procuro o meu Amigo Portugal, talvez ela me soubesse dar alguma indicação útil...


Ficou parada sem me dar resposta, mediu-me, avaliou-me com os seus olhos piscos mas atentos e, passados uns longos momentos, como que regressando de um estado hipnótico, repetiu; Portugal...? Tenho uma ideia, sim senhor, mas... já foi muito tempo... já lá vão muitos anos...


-Mas, a Senhora não faz ideia se ele ainda por aí anda?


Voltou a fazer nova medição da minha pessoa, demorada, como que... desconfiada, e por fim, soltando de mim o olhar e colocando-o lá longe, talvez na margem de lá do Tejo, ou ainda mais distante, desabafou num murmúrio; Hannn... por aqui?! Nem por aqui, nem por ali, nem por parte nenhuma... quem é que sabe o que é feito dele... por onde anda...


Agradeci a informação, notei que não desprendeu o olhar do infinito em que o havia colocado e despedi-me.


Enquanto descia as vielas estreitas do bairro, dirigindo-me para o carro, pensava; tenho de tentar noutros locais, é impossível que o meu Amigo se tenha volatilizado, hei-de encontra-lo em algum lugar... quem sabe fora das grandes cidades...


Quando entrei no carro, pensei: vou rumar ao Sul, o Portugal gostava imenso das planícies Alentejanas e das praias do Algarve, estou certo de que irei encontra-lo...


(continuará)

4 comentários:

Cristina Torrão disse...

Fico curiosa quanto às respostas que ainda receberás ;)

Bartolomeu disse...

Eu também, Cristina...
;))
Veremos.

Interessada disse...

Compreendida a nova espécie de fidelidade...
Não me exijas glórias.
Apenas um rosto duro de quem constroi a estrada por que há de caminhar

=D

Bartolomeu disse...

Gostei imenso das tuas interessantes sugestões, Interessada!
;)))